Pesquisadores de diversos países se reuniram para investigar a extensão na qual a desigualdade social pode favorecer o surgimento de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer. O resultado do estudo, publicado na revista Nature Aging, mostrou que a disparidade de renda leva a redução do volume do cérebro e corta conexões neuronais.
Em particular, os especialistas notaram que esses efeitos são ainda mais pronunciados na América Latina quando comparados aos Estados Unidos, destacando a vulnerabilidade da saúde dessa população.
Os dados levantados também revelam que a desigualdade de renda, avaliada em termos de Índice de Gini dos países envolvidos, afeta tanto ricos quanto pobres. Segundo os autores, fatores de nível macro, como esse, representam estressores que atuam de forma independente na evolução da saúde cerebral.
Paulo Takada, professor da USP (Universidade de São Paulo) e também coautor do estudo, destaca a importância da condução de pesquisas como essa na região. “Estudos sobre fatores de risco para desenvolvimentos de doenças neurodegenerativas geralmente são focados em pessoas com origem nos países mais desenvolvidos”, diz.
Mais de 2.000 participantes foram incluídos no estudo, abarcando controles saudáveis e pessoas com Alzheimer. Para cada um, os pesquisadores avaliaram o volume cerebral e a conectividade entre diferentes regiões desse órgão, em especial nas regiões temporo-posteriores e cerebelares, que são essenciais para a memória e a função cognitiva.
Em seguida, os dados obtidos foram cruzados com os valores dos Índices de Gini tanto para país quanto para estado. Esse indicador econômico mede a extensão da desigualdade social entre as parcelas mais ricas e pobres de uma região. A pesquisa incluiu os Estados Unidos e países da América Latina, inclusive o Brasil.
Vistos os resultados, os autores do trabalho advogam por uma abordagem multinível que aborde aspectos macro, como a desigualdade socioeconômica, mas também o índice de participação democrática, níveis de poluição, aspectos migratórios, acesso ao lazer, entre outros.
Elisa de Paula Resende, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz que os resultados precisam trazer mudanças no delineamento de políticas públicas. “A gente precisa promover maior igualdade para melhorar a saúde do cérebro das pessoas”, afirma. A pesquisadora e professora brasileira é coautora do estudo. O seu grupo de pesquisa coletou dados de cerca de 60 pessoas que foram incluídos no estudo.
A desigualdade social tem diferentes mecanismos de afetar o envelhecimento cerebral. Em primeiro lugar, pessoas que se encontram em ambientes desfavoráveis, com níveis educacionais baixos e déficits nutricionais, possuem menos estímulos cerebrais, o que ocasiona diretamente em menos conectividade e volume cerebral.
Outro efeito é pela falta de tratamento de fatores de risco de demências, como hipertensão, diabetes, colesterol, obesidade e doenças cardiovasculares. Populações economicamente desfavoráveis possuem menos acesso a medicamentos, exames, diagnósticos e acompanhamento profissional.
Evidências dessas relações não faltam. Uma pesquisa de 2023 realizada no Brasil e no México, por exemplo, revelou que uma educação formal de até quatro anos já reduz significativamente o risco de déficit cognitivo e de demência nesses países. O estudo incluiu mais de 20 mil participantes com idades acima de 50 anos.
Já no ano passado, um estudo coordenada por pesquisadores da USP concluiu que mais da metade (54%) dos casos de demência da América Latina poderiam ser evitados com prevenção de fatores de riscos modificáveis. Obesidade, sedentarismo e depressão foram os mais prevalentes em toda a região.
Para o Brasil, em particular, a falta de acesso à educação corresponde a 8% dos casos encontrados de neurodegeneração, assim como a hipertensão. A perda auditiva e a obesidade completam o quadro de principais fatores que poderiam ser evitados através de um programa de atenção à saúde eficaz. Os resultados foram publicados na prestigiada The Lancet Global Health. Essa é a mais ampla pesquisa do gênero já feita.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde