Já disse antes: a corrida serve para muitas coisas, a principal de suas contribuições talvez seja dar ao corredor autonomia para ser seu próprio “modal” de turismo, livrando-o numa tacada só da muvuca, do guia e dos gastos com transporte.
Mesmo aquele corredor, digamos, recreativo ganha com o passar do tempo enorme capacidade de vencer quilômetros e quilômetros, e aí o atrativo turístico pode se tornar o objetivo imediato do cascalho.
Carrego verdadeira fascinação por conhecer lugares novos, inclusive na minha própria cidade, e por isso o “Guia de Ruas” foi meu livro de cabeceira durante alguns vários anos no começo da adolescência. Perdi os clássicos, mas não se pode ter tudo.
A transformação de mim mesmo num ônibus de turismo “double decker” por meio da corrida me levou para muitos lugares diferentes, aqui em São Paulo e muito além. Lembro, por exemplo, dum encontro com um pastor de ovelhas e seu rebanho por singletracks de Olímpia, não a paulista, mas a grega, onde as Olimpíadas da Antiguidade começaram; ou de correr temerariamente por alguns quilômetros nos trilhos do trem da CPTM paulistana; ou de chegar ao Cristo indo de Botafogo, cruzando Laranjeiras e o latifúndio da família Marinho. Tudo isso no pezão.
Mas deixemos a corrida momentaneamente de lado: é preciso dizer que em janeiro o estado de São Paulo é um convite à viagem.
Desde os anos 1970 acontece neste mês a Copinha, a Copa São Paulo de Futebol Júnior. Buscando inchar o torneio e faturar mais, a organização e os clubes passaram a mobilizar cada vez mais estádios e sedes, muitas no interior e outras tantas na Grande São Paulo.
Assim, tomar um trem para conhecer um novo estádio em Mogi das Cruzes; pegar a moto para ir a Guarulhos ou Suzano; e, depois da feijoada, um carro rumo às cidades do ABC ou mais longe, no interior, tem sido há alguns anos uma rotina nestas primeiras semanas do ano. A prioridade é ver a Portuguesa, claro, mas o Nacional, também da capital, e times de estados muito mais distantes, como esse simpaticíssimo alagoano Zumbi, estão valendo.
Note: eu pensei que esse comportamento fosse meio isolado, e que meu deslocamento a Itapira, pra lá de Mogi Mirim, a 150 km de São Paulo, para ver um 0 a 0 entre Lusa e Dragão no sábado passado, tivesse sido um negócio absolutamente extravagante.
Estava enganado.
Em Itapira, conheci na arquibancada do Chico Vieira um advogado, o William, que estava junto com um de seus filhos, o Erik, este com a camisa da Burra. Os dois e ainda o Igor, o outro filho, passam o tempo a “ticar” estádios. Não importa o campeonato: Copinha, estaduais, nacionais de divisões (muito) inferiores, Libertadores.
No fundo, apesar do possível amor clubístico, o time que está em campo é o de somenos, o futebol é o grande pretexto para viajar e quebrar a rotina.
E é exatamente essa a ideia, esse expediente que me parece tão sedutor quando aplicado à corrida. Tirá-la do ramerrame do mesmo parque, do mesmo circuito, até mesmo do mesmo horário, faz a gente amar ainda mais o cascalho.
E nem é necessário transformá-la em algo funcional, numa “corrida-transporte”, para usar a expressão do fotógrafo e corredor Marcos Viana “Pinguim”. Ao menos para Itapira eu preferi o esquema convencional. Gastei uma bala de pedágio.
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