O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) corre o risco de disputar a reeleição no ano de menor crescimento da economia em todo o seu mandato. O banco Bradesco divulgou dias atrás uma revisão de suas expectativas, passando a projetar aumento de apenas 1% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2026.
Tal número, se confirmado, ficará muito abaixo da expansão registrada em 2023, primeiro ano de mandato (3,2%), e das projetadas pelo banco para 2024 (3,6%) e 2025 (2,2%). Também será menor que o PIB potencial calculado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para o país, em torno dos 2,5%.
A mediana das expectativas do boletim Focus – que coleta cálculos de dezenas de instituições – é mais otimista que os cálculos do Bradesco para 2026. Mas, da mesma forma, aponta que o ano da eleição deve ter o menor crescimento econômico do mandato de Lula, com 1,9%. O Focus projeta alta de 3,5% em 2024 e 2% em 2025.
O pano de fundo da redução do crescimento inclui as incertezas em relação à política fiscal e à capacidade do governo Lula de impedir a explosão da dívida pública. Um tímido pacote de corte de gastos do Executivo foi aprovado pelo Congresso no apagar das luzes do calendário legislativo, na semana passada. E saiu ainda mais desidratado que a proposta inicial, o que contribuiu para acirrar a crise de confiança.
“O pacote fiscal anunciado trouxe medidas do lado da renúncia de receitas que revelam uma preferência por uma convergência ainda mais lenta da dívida pública”, afirmou o Bradesco em nota. “Sob essas condições, houve importante deterioração e enorme volatilidade dos preços de ativos, sem um vetor claro de melhora no curto prazo.”
Alta de juros, inflação e dólar tornam cenário adverso
Outros componentes tornam o cenário ainda mais adverso. Embora o Banco Central tenha reafirmado seu compromisso com a meta de inflação, a retomada de ciclo de alta dos juros não tem conseguido ancorar as expectativas do mercado financeiro.
Em dezembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentou a Selic em 1 ponto percentual (pp) e “contratou” mais dois aumentos iguais para as primeiras reuniões de 2025. A previsão do Bradesco é de que a Selic atinja o patamar de 15,25% na primeira metade do ano.
Mesmo assim, a projeção para o IPCA (índice oficial de inflação) em 2025 passou de 4,60% para 4,84% na última semana. O patamar está acima da meta estabelecida pelo Comitê Monetário Nacional, que é de 3% com tolerância de 1,5 ponto porcentual (pp).
Ao mesmo tempo, o dólar, que atingiu máximas nominais históricas nas últimas semanas, parece ter encontrado um “novo normal” acima de R$ 6, mesmo com reiteradas intervenções do BC por meio de leilões da moeda norte-americana.
Críticas de Lula aumentam desconfiança
O presidente se disse convicto da necessidade da estabilidade econômica e do combate à inflação. Ao apresentar o economista Gabriel Galípolo como titular do BC, em substituição Roberto Campos Neto, o presidente afirmou que ele “será o presidente com mais autonomia que o Banco Central já teve”.
Idealizada como um gesto de pacificação, a estratégia dividiu opiniões. “[A mensagem] foi importante para diminuir ruído em relação à autonomia do Banco Central”, afirma Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings. “Porém, vale lembrar que o BC tem autonomia de fato, ou seja, querendo ou não, Lula não ia ter nenhuma interferência.”
Sílvio Campos Neto, da Consultoria Tendências, é mais enfático. “A apresentação se mostrou totalmente inadequada e desnecessária”, diz. “A atuação independente do Banco Central é garantida por lei, não é necessário qualquer tipo de aval do presidente da República – seja ele quem for – para que o Copom tome suas decisões de forma livre e técnica.”
Para Juliana Inhasz, economista do Insper, a atitude foi contraditória. “O presidente da República passou os últimos dois anos criticando a política monetária e a atuação de Roberto Campos Neto”, diz. “Agora sugere que Galípolo terá liberdade para conduzir o BC como quiser. Além de desrespeitoso com o antecessor, o que ele [Lula] conseguiu foi gerar mais dúvida no mercado sobre sua interferência.”
PIB menor tem fundamentos
Os economistas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam que as previsões mais pessimistas para o crescimento do país são bem fundamentadas pelas variáveis econômicas de câmbio, inflação e juros. Sobretudo, considerando o cenário externo adverso, com valorização mundial do dólar em razão da expectativa de desaceleração na queda dos juros dos Estados Unidos e a política protecionista do presidente eleito Donald Trump.
“O cenário externo não ajuda e o panorama fiscal aumenta a preocupação”, diz Juliana Inhasz. “Tem uma galera aí muito mais pessimista, porque estava apostando as fichas nesse pacote de corte de gastos. Todo mundo sabia que ele não seria o ideal, mas torcia pelo mínimo necessário, que não veio.”
Para ela, a tendência é de que outros bancos comecem a refazer suas projeções de crescimento “a partir do momento em que o problema fiscal persistir”. “Há uma tendência de piora de perspectiva que o [boletim] Focus ainda não captou”, afirma. “Manter a inflação dentro da meta no próximo ano vai ser um feito heroico e custará um preço alto.”
A Austin Ratings, segundo Agostini, também já refez os cálculos. “Nossa projeção para 2025 era de [crescimento de] 1,9%, mas como a taxa de juros ficou bem acima do que a gente esperava, e vai ficar acima de 15% por algum tempo, tivemos de ajustar os números do PIB”, afirma. “Nossa estimativa é de [crescimento] de 1,7%, mas pode ser até um pouco menor, dependendo de como vai se constituir o cenário a partir do primeiro trimestre do ano que vem.”
Campos Neto, da Tendências, acredita que “a restrição da política monetária em curso fatalmente terá implicações sobre a economia”.
“A expectativa é que a atividade inicie 2025 ainda sustentada pelo fôlego do mercado de trabalho, com um impulso adicional do setor agro”, diz. “Porém, com o aumento intenso das taxas reais longas de juros, para o segundo semestre é esperada uma desaceleração mais intensa, inclusive com a perspectiva de variações negativas do PIB na margem.”
Para ele, esse comportamento ficará ainda mais evidente em 2026, no ano eleitoral. “Se para 2025 a expectativa é de um crescimento ainda satisfatório, para 2026 não será surpresa um PIB crescendo mais perto de 1%”, avalia.
Reeleição pode ensejar populismo fiscal
Com a prevista desaceleração econômica, as atenções vão se concentrar nas medidas a serem tomadas pelo governo Lula. O risco é que, para reaquecer a economia, o Executivo lance mão de políticas ainda mais expansionistas que aprofundem o déficit fiscal.
Campos Neto acredita que os riscos existem, mas não são claros. “A equipe econômica – e creio que o próprio presidente da República – sabem que a adoção de políticas populistas para manter a atividade de forma artificial, como medidas de estímulo parafiscal ou um corte dos juros voluntarista, deve trazer resultados piores, e não melhores”, afirma.
Segundo ele, os mercados estarão altamente vigilantes e cautelosos e qualquer sinal nessa direção deve trazer mais depreciação cambial e maior pressão nos juros. “Não será tarefa trivial para o governo fornecer um impulso de curto prazo à economia sem causar efeitos colaterais intensos, que ficariam evidentes antes mesmo das eleições”, diz.
Juliana Inhasz enxerga um risco elevado. “A gente sabe que o risco é muito grande, sim, em se tratando de governos como os do PT, que têm essa obsessão por continuidade no poder”, afirma.
“No momento em que você faz o aumento do gasto, você estimula bastante a economia. Depois de poucos meses, os efeitos fiscais começam a se acentuar de uma forma muito grande. Mas eles [os governos petistas] já fizeram uso da máquina pública de forma indiscriminada em muitos momentos para essa manutenção no poder, como na gestão Dilma.”
Para Agostini, no entanto, haverá pouco espaço para manobras. “Olha, acredito que será um ano muito difícil, que tem pouco espaço para adotar medidas fiscais populistas mesmo às vésperas de 2026, da eleição”, diz o economista.
“Primeiro por conta desse cenário internacional ainda turbulento em termos de conflitos geopolíticos, com a política protecionista do Trump e a redução da economia chinesa. Isso tudo pode gerar um custo de produção, que vai pressionar a inflação. Será um grande desafio não só pro BC, mas pra economia brasileira como um todo”, acrescenta.
De qualquer forma, pondera o economista, o risco de aventura fiscal existe: “Quando o cenário é incerto já é preocupante. Quando ele é adverso, acentuam ainda mais as preocupações.”