A primeira coisa a entender sobre as formigas-feiticeiras é que elas não são, de fato, formigas. Na verdade, são vespas, algumas das quais são sem asas.
Com o tamanho de um dado, uma espécie é conhecida por suas distintas marcações em preto e branco, que deslumbram os olhos de quem as vê em estados brasileiros do Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, na caatinga ou no cerrado.
“Parece mágica”, diz o entomologista Vinicius Lopez, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, de Uberaba (Minas Gerais), que estuda a coloração dos insetos. O efeito faz com que seja fácil perdê-los de vista. Talvez seja por isso que algumas pessoas as chamam de formigas-feiticeiras —há ao menos 20 nomes para essas vespas, entre os quais formiga-oncinha, formiga-rainha e formiga-chiadeira, este último em referência ao som emitido por fêmeas quando perturbadas.
Uma equipe de cientistas liderada por Lopez descobriu recentemente que as partes pretas nas fêmeas das formigas-feiticeiras eram na verdade ultraescuras —tão opacas que absorviam quase toda a luz visível. A descoberta, publicada neste mês no periódico Beilstein Journal of Nanotechnology, torna essa espécie, a Traumatomutilla bifurca, o primeiro inseto conhecido entre os himenópteros —o grupo que consiste em abelhas, vespas e formigas— a exibir uma tonalidade tão marcante.
“Nunca vimos esse tipo de cor em libélulas, abelhas ou besouros que analisamos”, disse o entomologista Rhainer Guillermo-Ferreira, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, coautor do artigo.
Também são autores do trabalho Wencke Krings e Stanislav Gorb, da Universidade de Kiel (Alemanha), e Juliana Reis Machado, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
Na natureza, alguns pretos são mais pretos do que outros. Há o comum, causado pela presença de melanina e que exibe algum brilho, como as penas de um corvo. Depois há o ultraescuro, uma tonalidade alcançada por microestruturas que absorvem quase toda a luz que atinge uma superfície.
A pigmentação ultraescura é rara no reino animal. Em organismos que a possuem, ela os ajuda a se esconder de predadores, regular a temperatura corporal ou até mesmo atrair parceiros, já que o contraste contra cores mais claras pode ser visualmente atraente.
A equipe de Lopez estava tentando descobrir diferentes mecanismos de produção de cor em insetos quando percebeu que a formiga-feiticeira era única. Uma inspeção mais próxima de seu exoesqueleto revelou que, sob uma camada densa de pelos, os insetos tinham um arranjo intrincado de finas plaquetas empilhadas que se assemelhavam às páginas de um livro. De acordo com Guillermo-Ferreira, essa estrutura particular não foi vista em outros animais com coloração muito escura.
Os pesquisadores dizem acreditar que a configuração de pelos e plaquetas é fundamental para produzir a cor ultraescura fosca. Como o exoesqueleto do inseto possui tantas características diferentes, a luz tem uma chance maior de ser absorvida do que teria em uma superfície preta mais lisa.
É como se a luz ficasse presa dentro de todas as camadas, segundo Guillermo-Ferreira.
Dakota McCoy, bióloga evolutiva da Universidade de Chicago, disse que a descoberta é fantástica e elogiou o comprometimento dos pesquisadores em estudar o exoesqueleto da formiga-feiticeira em diferentes escalas.
“Eles não pararam apenas na superfície”, afirmou ela. “Olharam tanto por cima quanto por dentro para tentar ver qual era toda a história.”
Algumas espécies de borboletas e de outros insetos também apresentam coloração ultraescura. O novo estudo é, segundo seus autores, o primeiro registro documentado na ordem Hymenoptera.
Além da luz visível, as marcações ultraescuras nas formigas-feiticeiras fêmeas absorvem quase toda a luz ultravioleta. Isso também poderia ser um mecanismo de defesa útil contra predadores que podem ver comprimentos de onda não visíveis para os humanos, disseram os cientistas.
Mas não está claro se as formigas-feiticeiras realmente precisam do pigmento ultraescuro para camuflagem. Trabalhos anteriores mostraram que os predadores tendem a evitá-las por causa de seus exoesqueletos duros, suas picadas dolorosas e os gritos que emitem quando em perigo.
Também é um mistério por que apenas as fêmeas dessa espécie são ultraescuras. Os machos têm marcações pretas semelhantes, mas as delas refletem muito mais luz.
No futuro, os pesquisadores planejam investigar as pressões ambientais que fizeram com que as fêmeas das formigas-feiticeiras evoluíssem dessa maneira.
“Na natureza, vemos muitos padrões diferentes de coloração, e realmente não sabemos o porquê”, disse Guillermo-Ferreira. Mas, “cada vez que estudamos formigas-feiticeiras, elas nos dão algum resultado novo e interessante”.