Pergunta do leitor: como não perder as esperanças no amor depois de várias experiências frustrantes?
Acho simbólico começarmos essa coluna justo no dia do Natal, data que, para os cristãos, celebra o nascimento daquele que iria nos salvar, trazendo amor e esperança ao mundo. Eis que 2025 anos depois me chega essa pergunta de um coração cansado que, de certa forma, deslocou as expectativas de Jesus para um suposto homem ou mulher também extraordinários que têm como missão a salvação do ceticismo e da descrença. Sonhamos com o encontro que nos redima, o par que finalmente nos fará completos.
Talvez o primeiro nó que tenhamos que desfazer é exatamente esse apego a uma esperança que mais espera do que age; que se sente parte da arca de noé dos últimos românticos (ou estaríamos mais para um Titanic prestes a naufragar?), sem se dar conta de que a forma como ele narra a própria história –a tal sequência de experiências frustrantes– talvez seja o redemoinho mais perigoso que o mantém num ciclo autodestrutivo de vitimismo, insegurança e ansiedade para que alguém o tire dali.
Digo que no amor, ao contrário da nossa vida profissional, nossa experiência depõe contra nós. Isso porque usamos nosso repertório de desencontros como gabaritos para identificar roteiros melodramáticos e fugir dos possíveis personagens cafajestes. Buscamos tais repetições numa tentativa de controlar o incontrolável e, com isso, forçamos correlações entre histórias completamente desconexas simplesmente porque nos parece mais confortável interpretar os dois dias de silêncio de Ricardo, seu atual ficante, como o prenúncio da traição de Beto, seu namorado abusivo de 2019. Mais do que sermos felizes, queremos mesmo é ter razão e nos proteger.
Assim nós, os experientes roteiristas de uma história única, simplificamos a narrativa e, nos achando analíticas e analisadas, antecipamos interpretações sem perceber que colocamos em cena um recurso poderosíssimo e perigoso: o viés de confirmação –aquela lente que faz a gente enxergar sinais e interpretar as ações de uma maneira bem sugestionada. Se a cada relacionamento você sente que repete a narrativa, ocupando o mesmo papel terrível de pessoa abandonada, talvez seja a hora de rever a narrativa antes de rever e julgar os parceiros.
Como você conta a sua história e a sua história amorosa? Percebo que parte da compulsão à repetição já apontada por Freud diz menos sobre o tal “dedo podre” e o “só atraio gente lixo” e mais sobre a simplificação na forma como elaboramos nossas experiências vividas. Será mesmo que todos esses ex-amores foram prioritariamente frustrantes? Em vez de classificarmos cada término como um fracasso, e cada frustração como uma derrota, talvez possamos vê-los como parte do aprendizado.
O que fica de quem não ficou? Quais foram seus ganhos, suas descobertas? O que você se permitiu fazer, para quais experiências se abriu? O psicanalista Erich Fromm diz que o amor é uma arte e que, como toda arte, quanto mais a gente pratica, melhor a gente fica. Ou seja, nem tudo se perde quando a gente perde a conchinha fixa. Quando comecei a entender que cada encontro amoroso é um presente, uma evolução e uma expansão da minha capacidade de amar, percebi que o saldo vai ser sempre positivo ainda que não haja o “+ 1”.
Meu convite a esse coração cansado e esperançoso seria, então: ao invés de esperar que um novo alguém te salve no futuro, reserve um tempo pra rever o seu passado e se convide a contar novas narrativas de seus melodramas. Ao encontrarmos o romance, a comédia e a poesia onde antes só víamos dor, estamos elaborando os lutos e saindo da repetição do ressentimento.
E com esse mesmo olhar propositivo e criativo, te convido a, aí sim, se abrir para o presente. Mas se abrir com um coração que mais sente do que entende. Abandone a busca por padrões e a prepotência de achar que suas relações passadas são guias para evitar tragédias. A tragédia aqui é você em busca de certezas para dar o próximo passo.
Amar é, em última instância, se abrir para o risco —o risco de ser rejeitado, de errar, de ser ferido. Para amar novamente, é preciso a coragem de se expor, de confiar, de tentar, mesmo com medo. E é preciso sair da esperança que apenas espera para exercer a esperança que age, que aceita que o amor não virá pronto e embalado, como um presente de Natal. Amor não se encontra, se pratica. Eu acredito no amor processo, que acontece nos encontros e desencontros, no diálogo, no esforço cotidiano de olhar para o outro e para si mesmo com generosidade e compaixão.
Enquanto esperarmos um amor perfeito, repetiremos a frustração infinitamente. Que nesse Natal você se dê de presente a chance de recomeçar sem gabaritos e a coragem de abandonar as narrativas antigas, além de se abrir para o que ainda não foi escrito.
A coluna Amor Crônico responde questões de leitores sobre relacionamentos. Dúvidas, questões ou dilemas amorosos? Mande a sua pergunta para colunaamorcronico@amorespossiveis.love
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.