O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fechou em novembro um acordo com a Argentina para integrar redes de gasodutos dos dois países e viabilizar a importação de gás natural produzido em Vaca Muerta, na Província de Neuquén, na região da Patagônia.
A ideia é que o transporte comece com 2 milhões de metros cúbicos (m³) de gás por dia, chegando a 10 milhões em três anos e 30 milhões até 2030. Vaca Muerta, considerada a segunda maior reserva do mundo, é rica em “shale gas”, um gás natural encontrado dentro de rochas de xisto.
Em paralelo, estatal boliviana YPFB anunciou também em novembro contratos com as empresas Total Energies, da França, e Matrix Energia, do Brasil, para viabilizar o envio do gás da Argentina para o Brasil por meio da infraestrutura de transporte da Bolívia. Nesse caso, o gás iria primeiro de Vaca Muerta até a Bolívia, e de lá para o Brasil.
Entre as cinco alternativas para envio do gás ao Brasil, a mais promissora parece ser por meio do Gasoduto Brasil-Bolívia (GasBol). Por décadas, a Bolívia foi a maior exportadora de gás para o Brasil. Contudo, sua produção vem declinando a cada ano.
“A importação [da Bolívia], que já foi de 30 milhões de metros cúbicos, caiu para uns 18 milhões de metros cúbicos nos últimos cinco anos. A tendência é baixar mais ainda. Os reservatórios estão se exaurindo e não há visão geológica para novos negócios. Está acabando mesmo, como o nosso pré-sal sem a Margem Equatorial”, explica Armando Cavanha, consultor da área de petróleo e gás e professor da PUC-Rio.
Mas o país realmente precisa importar gás, mesmo sendo um dos dez maiores produtores de petróleo no mundo?
“O Brasil nunca foi um grandíssimo produtor de gás, mesmo com a descoberta de campos gigantes de petróleo. E o gás que o Brasil produz não é necessariamente o que precisa”, esclarece Sylvie D’Apote, diretora executiva de gás natural do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).
Existem diferentes tipos de gás, cada qual com composição química e suas finalidades. A mistura de componentes do gás natural, por exemplo, é majoritariamente composta por metano. O Gás Liquefeito do Petróleo – GLP, o gás de cozinha – é formado por moléculas mais pesadas que o metano, como propano e butano. O Gás Natural Veicular (GNV), por sua vez, é comprimido e usado como combustíveis de veículos. O Gás Natural Liquefeito (GNL), enquanto isso, é usado para gerar energia em indústrias e usinas.
A maior demanda hoje no país é gás GNL, para abastecer fábricas e térmicas. Mas, segundo Sylvie, a produção nacional não se concentra nesse tipo. Ela é mais voltada para a produção de gás comprimido extraído junto com o petróleo, que não serve para gerar energia à indústria.
Gás extraído no Brasil é associado ao petróleo
Outro ponto, levantam os especialistas, é que no Brasil o gás é produzido associado ao petróleo, o que implica em uma produção constante e “inflexível”, a qual não atende ao mercado.
“O gás no Brasil, basicamente, abastece as térmicas, as quais são acionadas apenas para complementar as hidrelétricas. Este setor precisa, portanto, de um gás flexível, ou seja, que possa ser usado apenas quando necessário”, esclarece a diretora do IBP.
“O gás produzido no país não tem essa característica, pois, como é associado à exploração de petróleo, sua produção é ininterrupta, não tem como parar a produção quando o cliente não precisa”, complementa.
Além disso, a extração de gás e petróleo juntos abre espaço para uma competição entre ambos: o óleo é cerca de oito vezes mais lucrativo. Na prática, as companhias preferem reinjetar o gás nos poços – uma técnica para produzir mais petróleo.
“Em outros países a extração do gás é isolada, não é associada como aqui. Além da preferência econômica, o Brasil não tem estrutura de dutos para dar vazão a esse gás”, aponta Cavanha.
Para ambos, a importação de gás argentino é positiva para o Brasil. Na avaliação de Sylvie, a opção do gás argentino é importante para ampliar o portfólio, uma vez que existem vários tipos de gás com finalidades diferentes, e fomenta a concorrência:
“O mercado de gás está se abrindo e cada consumidor pode escolher onde comprar o seu gás, seja ele nacional ou internacional”, diz ela referindo-se aos clientes institucionais, como fábricas e usinas.
Cavanha corrobora a visão de Sylvie: “A Argentina está com um volume importante de produção de gás e o Brasil quer crescer na indústria. Para isso, precisa de gás porque ele é relevante no setor petroquímico, responsável pela fabricação de mais de 6 mil produtos, de iPhones a pneus”.
Governo vai realizar 1.º Leilão do Gás Natural da União em 2025
Apesar de o Brasil não ser um grande produtor de gás e fechar acordo para importação da Argentina, o governo federal quer investir na expansão deste mercado. No início de dezembro, o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou que vai realizar até o fim de 2025 o 1.º Leilão do Gás Natural da União.
A estimativa do governo é dispor até 1,3 milhão m³ de gás natural para ofertar ao mercado até 2027. Esse volume não considera o fator de rendimento das UPGNs (instalações industriais que realizam o refino do gás natural), o que significa que parcela desse gás será transformada em GLP e líquidos.
O Plano Decenal de Energia 2032, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE, vinculada ao MME), indica que a produção líquida de gás natural, que em 2022 foi de 51 milhões de m³/dia, poderá alcançar a marca de 134 milhões de m³/dia em 2032. Espera-se que a maior produção venha na esteira dos investimentos esperados para os próximos anos.
Existe uma certa dicotomia do país em fechar um acordo relevante de importação ao mesmo tempo em que investe na expansão do mercado nacional de gás. Embora as estimativas precisem de tempo para se tornarem realidade, o setor, em geral, enxerga que falta uma boa política energética no país.
Para Adriano Pires, sócio-diretor do Centro Brasileira do Infraestrutura (CBIE), apesar de várias iniciativas, o Brasil não consegue emplacar políticas efetivas que aumentem a oferta e a redução no preço da molécula.
“Tivemos duas leis aprovadas pelo Congresso, nos governos Dilma e Bolsonaro, com a promessa em ambos de redução do preço do gás e aumento da oferta, e o resultado foi exatamente ao contrário. E, mais ainda, tivemos redução na demanda”, disse ele em artigo publicado no “Estadão”.
Entre as medidas para fluir o mercado de gás no país, Pires defende redução do poder da Petrobras nesse mercado, assim como total transparência da estatal aos valores cobrados para escoar e tratar o gás nas refinarias, além de incentivo com licenças para exploração e produção de “shale gas” (gás de xisto).