“Nossa, é a sua filha?! Como cresceu!”
“Pois é, já está uma moça.”
“Aproveite bastante esta fase, viu? Porque o tempo voa…”
Esse clássico do elevador tem seu valor. A prosa ensaiada é amena e tende a terminar com um cordial cafuné do vizinho na cabecinha da entediada criança, que ainda não é obrigada a oferecer em troca um sorriso amarelo ao pentelho afagador, sem, por isso, passar por mal-educada –aí a vantagem.
Não que eu duvidasse dessa história de o tempo passar rápido e tudo mais, mas achava que essa era uma preocupação para o futuro.
No auge da minha ingenuidade, esperava que o relógio só fosse acelerar quando Bel fizesse 12. É por aí que começam os inocentes bailinhos da escola (“meninas levam doce, meninos levam salgados”). Logo mais vêm as menos inocentes baladas e os flertes. E então a vida universitária, quando o rebento se desvincula de vez daquela figura antiquada que é o pai (o que é bem razoável, afinal, ele diz coisas como “flerte”) e cai no mundão.
Mas Bel, aos 8, achincalhou o enredo que, com tanto carinho e egoísmo, escrevi para a vida dela. Não que ela tenha fugido de casa, largado os estudos ou pedido emancipação por ter se tornado coach mirim empreendedora de si mesma. O fato grave é que a danada descobriu que Papai Noel não existe, e isso mudou tudo. Acha que estou exagerando?
“Papai, vi o vídeo do ano passado e já sei que você é o Papai Noel (itálico para o tom inquisitório).”
“Ué, mas o que te faz pensar isso?”
“Pra começar, sua barriga quadrada e sua barba falsa que cobre o nariz…”
(Ok, pode não ter sido grande ideia emular a pança do bom velhinho com uma almofada futon da Leroy Merlin; já a barba era tamanho único, o que acho que alivia um pouco o meu lado. De todo modo, resolvo não me estender muito na explicação.)
“Hum…”
“Papai, e aquelas pegadas do coelhinho, era você também que fazia, né? Porque se não existe Papai Noel…”
“Ah, isso não, filha! Era sua mãe que…quer dizer…” (Sorriso amarelo.)
“Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, Fada dos Dentes. Bons tempos…” (Contém ironia.)
“Bons tempos, Bel…”
E, na brevidade desse fúnebre diálogo, o relógio da vida aligeirou-se, para mim e para ela. Como alertara meu vizinho –que além de pentelho, vejam só!, é vidente–, entre um cínico “Será que hoje chove?” e outro “Aperte o térreo, por favor”.
Sim, caro leitor, sei que ainda não sou pago pela Folha para escrever crônicas (se cuida, Pratinha!), portanto corto os causos por aqui e passo às esperadas dicas para a ceia natalina.
Reúna-se com gente querida (mantenha distância confortável das não tão queridas).
Coma o quanto e o que quiser (exceto panetone de whey).
Mas guarde um espaço para o que te desperta os afetos mais ternos (bolo de cenoura com cobertura de chocolate da vó tem essa propriedade).
Finalmente, desfrute de toda essa experiência antropológica junto dos seus filhos. Eles crescem. O tempo voa. Aproveite esta fase.
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