Um estudo com macacos-prego (Sapajus libidinosus) no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, publicado na revista PNAS, aponta que a tolerância é extremamente importante para o aprendizado social, aquele adquirido observando outros membros do mesmo grupo.
Os pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), apoiados pela Fapesp, e da Universidade de Durham, no Reino Unido, observaram que parceiros de atividades coletivas, como catação de parasitas e brincadeiras, têm mais chances de adquirir novos aprendizados com seus companheiros.
“Nossas observações alimentaram um modelo matemático que mostrou que os macacos aprendem com os outros principalmente por observação direta, olhando de perto outro indivíduo fazer a tarefa. Além disso, a tolerância social, principalmente entre parceiros de atividades coletivas, mostrou-se uma boa forma de prever que indivíduos aprenderiam com quais”, conta Camila Galheigo Coelho, uma das autoras principais do estudo, realizado durante doutorado no Instituto de Psicologia (IP) da USP com bolsa da Fapesp.
Parte das análises foi realizada durante estágio na Universidade de Durham, sob a coorientação da professora Rachel Kendal.
“O aspecto mais importante foi comprovar, por meio do uso da análise de difusão baseada em redes [NBDA, na sigla em inglês], que a difusão de uma nova técnica de obtenção de recurso se difundiu por aprendizagem socialmente mediada, e não simplesmente pela gradual aprendizagem individual por novos indivíduos”, afirma Eduardo Ottoni, professor do IP-USP que orientou o estudo.
Além da influência da tolerância social, jovens que ainda não haviam aprendido a tarefa eram mais propensos a observar e aprender com machos adultos bem-sucedidos do grupo.
Histórico
O trabalho integra o projeto “Efeitos da dinâmica social na difusão de novos comportamentos em grupos de macacos-prego (Sapajus libidinosus) que habitam a caatinga do Parque Nacional Serra da Capivara”.
O projeto foi coordenado por Ottoni, que liderou os primeiros estudos no Brasil sobre o uso de ferramentas e aprendizado social por macacos-prego, no Parque Ecológico do Tietê, em São Paulo, a partir do final da década de 1990.
“A descoberta do uso de ferramentas e aprendizado social entre macacos-prego foi um acaso para nós, que se desenrolou na descoberta de uma série de processos culturais não humanos. Quanto mais se estuda, percebe-se que a evolução cultural é parte de algo maior no contexto da própria evolução biológica”, afirma Ottoni, coautor do estudo, parte de uma edição especial da revista sobre os 50 anos dos estudos da evolução cultural.
Posteriormente aos estudos no Parque do Tietê, com macacos-prego resgatados de apreensões de tráfico de animais, os pesquisadores apontaram comportamentos similares, a partir de 2003, em populações selvagens no Piauí, no Parque Nacional da Serra da Capivara e na Fazenda Boa Vista.
Ao longo dos anos, outras populações foram localizadas, com tradições distintas, no Parque Nacional da Serra das Confusões, também no Piauí, e na Chapada dos Veadeiros, em Goiás.
Os macacos-prego que habitam regiões de savana tipicamente usam pedras para quebrar cocos e outras sementes. Na Serra da Capivara, utilizam pedras como ferramentas também em outros contextos, como escavar raízes ou ninhos de insetos, além de varetas como sondas, para capturar lagartos ou pequenos mamíferos. As populações foram objeto de diversos estudos e documentários de vida selvagem.
Experimento
Para chegar aos resultados, os pesquisadores observaram dois grupos da Serra da Capivara por nove meses cada um. Os bandos vivem afastados oito quilômetros um do outro.
Para realizar o experimento, era preciso que um indivíduo aprendesse uma atividade sem o conhecimento dos companheiros. Assim se poderia analisar o processo de aprendizagem desde o início e sua transmissão para os colegas.
Durante três dias, os pesquisadores apresentaram uma caixa a um membro do grupo que tinha se afastado do bando, numa área que usam para se alimentar.
O objeto tinha dois mecanismos para liberar uma recompensa comestível. Uma porta azul que, quando empurrada, liberava o alimento; e uma alavanca verde, que devia ser puxada para chegar ao mesmo resultado. Ao representante de cada grupo foi apresentada uma das duas formas de acionamento.
Depois que os animais aprenderam como acionar o mecanismo de uma das duas maneiras, a caixa foi colocada à disposição de cada grupo. Depois de alguns tentarem quebrá-la com pedras e cutucar o interior com varetas, o indivíduo que havia aprendido com os pesquisadores como obter a recompensa executava a tarefa, enquanto outros se aproximavam e observavam.
“Nossa expectativa era de que um grupo aprendesse a empurrar e outro a puxar, gerando duas tradições distintas. No entanto, nos dois grupos eles aprenderam a liberar a recompensa das duas formas”, conta Coelho, que, por causa da experiência, foi contratada como produtora da rede britânica BBC e hoje produz documentários de vida selvagem na Natural History Unit, em Bristol.
Os pesquisadores observaram ainda que, no grupo maior, bastante subdividido, o aprendizado era mais fácil de ser observado. Quando um membro de um subgrupo aprendia, os outros da mesma patota logo aprendiam também. Com isso, 57,5% dos indivíduos aprenderam a executar a tarefa.
No grupo menor, mais coeso, um macho dominante impedia que muitos se aproximassem. Com isso, apenas 36,7% do grupo aprendeu a realizar a tarefa. O resultado evidencia a importância da tolerância com os outros membros do grupo para o aprendizado social.