Se, por um lado, abundam estudos sobre como contos de fadas e histórias de princesas da Disney podem reforçar estereótipos e padrões de beleza inalcançáveis, com impacto na autoestima e na saúde mental do público, por outro quase nada se discute sobre a saúde das protagonistas. São problemas que provavelmente nem o melhor feitiço resolveria, alerta um novo artigo publicado nesta segunda (16) no periódico BMJ (British Medical Journal).
Aurora, a “Bela Adormecida”, de tanto ficar deitada, teria úlceras de pressão —feridas que surgem na pele devido à força da gravidade e ao contato contínuo de áreas do corpo com superfícies e à falta de circulação sanguínea adequada. Para evitar esse problema, alguém deveria mudar a posição de Aurora na cama a cada poucas horas. Além disso, dormir excessivamente está ligado ao desenvolvimento de problemas cardiovasculares, diabetes e atrofia muscular. Malévola caprichou na maldição!
A outra Bela, de “A Bela e Fera”, não está num cenário muito melhor. A Fera, com cabeça de búfalo, sobrancelhas de gorila, presas de javali, juba de leão, braços e corpo de urso, além de pernas e rabo de lobo (uma quimera, portanto, com células de diferentes organismos), poderia carregar consigo uma miríade de doenças infecciosas fatais, como brucelose ou raiva. Ainda assim, parece melhor do que conviver com o narcisista Gaston.
Rajah, o tigre de estimação da princesa Jasmine, de “Aladdin”, também representa risco de zoonoses (doenças transmitidas por animais). E a solidão vivenciada pela moça está ligada à susceptibilidade a demências e a problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, além da desregulação do sistema imunológico.
A curiosa discussão sobre o bem-estar biopsicossocial das personagens está no número especial de Natal do BMJ, em que, ano após ano, ganham espaço artigos com temáticas leves ou inusitadas.
Em edições anteriores já foram examinadas, por exemplo, questões como a relação entre rolhas de espumante e lesões oculares, a presença (ou ausência) de equipamentos de segurança adequados em bonecas Barbie representando profissionais da saúde, e a correlação entre o diagnóstico de diabetes em animais de estimação e em seus donos —no caso de quem tem cachorro, a associação existe.
No artigo atual, os autores, da Universidade de Twente, nos Países Baixos, ainda discutem os casos de Branca de Neve, Mulan, Cinderela, Pocahontas e Rapunzel. Para “a mais bela de todo o reino” (segundo o Espelho Mágico), aquele ditado inglês “An apple a day keeps the doctor away” (“uma maçã por dia, e o doutor não se avizinha”, numa tradução livre) realmente não faz o menor sentido.
Já a guerreira chinesa, segundo os autores, poderia fazer bom uso de suporte psicológico, incluindo terapia cognitivo-comportamental, para lidar com as pressões familiares. A ameríndia, por sua vez, vive saltando de grandes altitudes, com risco sério de politraumatismos.
Já Cinderela poderia muito bem usar uma máscara para evitar contato com tanto pó. E Rapunzel teria grandes chances de desenvolver alopecia por tração — literalmente ficar careca por ter seus cabelos tantas vezes puxados—, além de dor de cabeça.
Um dos autores, Michael Bui, conversou por email com a Folha. Questionado sobre se princesas e heroínas de histórias mais recentes teriam acesso a um cuidado de saúde mais sofisticado, e por isso não estariam na lista apresentada no trabalho, ele respondeu que algumas estiveram no rascunho inicial do artigo, mas não chegaram à edição final. Uma delas é Merida (“Valente”), que sofria de perfeccionismo socialmente prescrito, com origem na constante pressão materna para ser a princesa perfeita.
Já Moana teria um dos estilos de vida mais saudáveis entre tantas estrelas, especialmente por causa do contato com a natureza e da realização de um bom volume de atividades físicas.
“Contudo, ao longo do filme, não a vemos usar protetor solar, apesar de viver em um clima tropical. Recomendamos que ela aplique protetor solar regularmente para evitar os riscos de melanoma e outros cânceres de pele”, diz Bui.
Questionado sobre uma eventual necessidade de atualização das tramas, incorporando exames regulares e vacinação contra doenças infecciosas, Bui brinca e afirma que até o momento não houve nenhuma discussão com os detentores de direitos das obras acerca de uma representação mais realista da saúde das princesas. “No entanto, se a Disney estiver interessada, ficaríamos mais do que felizes em colaborar!”
Aí quem sabe as princesas poderão viver felizes —e saudáveis— para sempre.