Faltam poucos dias para alguns dos momentos mais desconfortáveis do ano: aqueles em que primos, tios, avós e cunhados (principalmente eles) reúnem-se em volta da ceia de Natal.
Discussões esquisitas sobre os grandes temas da atualidade, nas quais é comum que vários dos convivas manifestem seu desejo de cancelar direitos humanos fundamentais sem o menor peso na consciência, sempre fizeram parte do cardápio nesta época festiva. Mas o tribalismo político desvairado dos últimos anos –graças principalmente à extrema direita, vale frisar– parece ter piorado ainda mais a coisa. Não está sendo fácil, como diz aquela velha canção.
Diante disso, resolvi ser propositivo. Vai aqui um breve guia cientificamente embasado para discutir assuntos polêmicos que envolvam fatos verificáveis. Torço que quem me lê tenha inteligência emocional suficiente para colocar essas estratégias em prática.
As abordagens que citarei aqui têm aparecido com alguma frequência em estudos sobre como funciona a desinformação a respeito de temas controversos e como seria a melhor maneira de rebatê-la.
Aliás, falando em “rebater”, eis a primeira dica: evite. Sério, ao menos no primeiro momento. As pessoas, por mais equivocadas que estejam, em geral odeiam a sensação de perder uma discussão e farão de tudo para ignorar um ataque frontal contra seus argumentos.
Portanto, em vez de contra-argumentar, simplesmente faça perguntas. Digamos que o seu cunhado tenha afirmado que a crise do clima é invenção de ONGs gringas que querem impedir o avanço global do agro brasileiro.
Responda algo assim: “Interessante. Mas, afinal de contas, saber se o clima está mudando mesmo é uma questão factual, né? Você sabe me explicar mais ou menos o que leva a Terra a esquentar ou esfriar? E como é que se mede isso? Ah, sabe? Pode me contar então?”
Essa cena, em 9,5 de cada 10 famílias brasileiras, provavelmente vai desencadear uma série de engasgos ou frases truncadas e constrangidas vindas do seu interlocutor. Mas, ainda que ele seja um mestre do “embromation” climático, perguntas relevantes ainda poderão ser feitas.
“Ah, beleza”, diga a ele. “E a parte política, você sabe como funciona? Como é que os países fazem para negociar aqueles acordos lá sobre o clima? Sabe quem financia essas reuniões? E quem é contra, é financiado por quem?” E, claro, não se esqueça de perguntar qual a fonte das informações do seu cunhado.
Essa inserção deliberada e delicada de minhocas na cabeça do seu companheiro de ceia tem a vantagem de contrabalançar uma grande aliada da desinformação: nossa mania demasiado humana de achar que sabemos mais do que realmente sabemos.
De fato, outros estudos mostram que o conhecimento, e inclusive a alfabetização científica, estão longe de ser uma panaceia na hora de enfrentar interpretações malucas de temas polêmicos.
Na verdade, pessoas que sabem mais do que a média da população sobre mudanças climáticas ou engenharia genética, por exemplo, tendem a usar o que aprenderam para reforçar posições pré-existentes na própria cabeça, em vez de se abrir ao contraditório (caso esse contraditório esteja embasado em fatos, é claro).
Ninguém disse que ia ser fácil, pessoal. Feliz Natal para todo mundo!
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