Além de resguardar a vida na Terra para as próximas gerações, conter a crescente perda de biodiversidade e dos serviços prestados por ela pode ser lucrativo. É o que apontam os mais recentes sumários para tomadores de decisão da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês).
Os dois documentos foram lançados nesta semana (nos dias 17 e 18) após a realização da 11ª Plenária do IPBES, em Windhoek, na Namíbia.
Os relatórios apontam para a geração de 295 milhões de empregos e oportunidades de mais de US$ 10 trilhões em negócios até 2030 em atividades sustentáveis ou centradas na natureza. Os prejuízos causados pela falta de ação seriam superiores ao dobro desse valor.
Os documentos apontam ainda para a necessidade de uma reconexão das pessoas com a natureza, de forma a fazer com que os 75% da população mundial que vivem em cidades mudem hábitos para conter a destruição da biodiversidade no planeta e suas consequências, como a perda de polinização, chuva, alimento e outros serviços prestados pela natureza.
Os sumários são resultado de dois diagnósticos construídos a partir da primeira avaliação global do estado da natureza, publicado pelo IPBES em 2019.
Na ocasião, o documento apontava que a única forma de atingir objetivos de desenvolvimento sustentável seria por meio de mudanças transformadoras, tema de um dos relatórios divulgados agora.
“Uma mensagem importante é o custo da inatividade. Se continuarmos a fazer o de sempre, isso terá um custo alto nos próximos anos. Muito maior do que as oportunidades que existem, como a restauração ecológica, que gera uma grande quantidade de empregos e traz de volta uma série de serviços ecossistêmicos”, aponta Carlos Joly, professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), membro da coordenação da Iniciativa Amazônia+10 e coordenador da BPBES (Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos).
Joly foi um dos revisores do capítulo 5 do diagnóstico que deu base para o sumário divulgado agora sobre mudanças transformadoras. Os diagnósticos são divulgados posteriormente aos sumários e não dependem de aprovação do plenário.
Mudanças transformadoras
O documento sobre mudanças transformadoras aponta seis conjuntos de intervenções que podem ser realizadas de forma complementar para que as transformações ocorram. São mudanças sistêmicas, estruturais, envolvem o empoderamento de grupos historicamente marginalizados, a cocriação entre ciência e outros sistemas de conhecimento tradicionais, o uso de avanços em ciência e tecnologia e a transformação interna das pessoas.
“Essa última é a mais difícil de acontecer, mas também a que pode trazer mais resultados de médio e longo prazo. É uma mudança de valores, de como as pessoas se relacionam com o ambiente em que vivem e seus padrões de consumo”, opina Cristiana Seixas, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam-Unicamp), membro da coordenação do Programa Fapesp para o Atlântico Sul e Antártica e autora de um dos capítulos do diagnóstico.
Biodiversidade, água, alimento e saúde
O outro sumário para tomadores de decisão lançado pelo IPBES foi o Assessment Report on the Interlinkages Among Biodiversity, Water, Food and Health, ou relatório Nexo. O documento leva em conta a ligação que a biodiversidade tem com a disponibilidade de água e alimento, além da saúde das pessoas.
“A base da discussão aqui é a humanidade como parte da natureza. A biodiversidade e os serviços ecossistêmicos compõem a vida da sociedade e essa visão integrada é uma das belezas do IPBES”, diz Jean Ometto, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e membro da coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Ometto é um dos autores do capítulo sobre governança do relatório Nexo. O documento destaca, entre outros temas, que abordagens de governança integrada podem ajudar a responder a desafios comuns relacionando biodiversidade, água, alimento, saúde e mudanças climáticas.
As abordagens devem focar em políticas públicas, instituições e ações que promovam integração, inclusão, equidade e responsabilidade. No entanto, as ações existentes, que normalmente têm como ponto de partida perspectivas setoriais, acabam resultando em uma governança desalinhada, redundante e inconsistente, falhando em causar mudanças positivas.
“A adaptação para as mudanças climáticas numa cidade, por exemplo, não pode ser setorial. Existem diferentes instâncias, territórios, camadas sociais que estão sendo e serão afetados pelas enchentes ou pela falta de chuvas, por exemplo. Por sua vez, estes afetam aspectos como saúde, acesso ao alimento, transporte. É preciso interligar as ações para que as soluções tenham um espectro mais amplo e duradouro, tirando o melhor proveito de cada uma delas”, observa o pesquisador.
Para Joly, o ponto principal dos dois relatórios, que resultam de uma demanda dos 188 países signatários da Convenção sobre a Diversidade Biológica, é a mudança de modelo econômico, atualmente baseado na exploração predatória de recursos naturais.
As mudanças propostas não apenas trazem a perspectiva da recuperação de serviços ecossistêmicos, como também oportunidades para um desenvolvimento econômico mais justo para todos.