Pessoas que emagrecem rápido, seja por dietas restritivas, cirurgia bariátrica (que reduz a capacidade do estômago) ou uso de medicamentos, têm um risco aumentado de desenvolver cálculos biliares, ou pedras na vesícula, condição que pode levar à remoção do órgão por meio de cirurgia.
A vesícula é um pequeno órgão em forma de saco que armazena e concentra a bile, um líquido produzido pelo fígado para ajudar na digestão de gorduras. O gastroenterologista Fernando Pandullo, do Hospital Israelita Albert Einstein, afirma que a bile tem propriedades detergentes, capazes de emulsificar a gordura e facilitar sua digestão.
“A bile é produzida no fígado e, para sua produção, o órgão utiliza basicamente água, sais biliares, que são substâncias específicas da bile, e colesterol, que é uma gordura.”
Durante o emagrecimento rápido, o corpo mobiliza as reservas de gordura para utilizar como fonte de energia, liberando mais colesterol na bile. Esse aumento altera o equilíbrio da bile e aumenta a chance de formação de cálculos biliares.
O surgimento de cálculos possa afetar qualquer pessoa que emagrece rápido, mas é mais comum em quem lida com a obesidade. Após a formação das pedras, a remoção da vesícula se torna necessária devido à alta taxa de recidiva e complicações. A cirurgia de remoção é simples, com alta no dia seguinte.
A pedra na vesícula pode ser assintomática, mas também pode causar complicações como colecistite, uma inflamação do órgão. “Se não tratada rapidamente, pode evoluir para peritonite e sepse, levando ao óbito. A cólica biliar é outro sintoma, caracterizado por dor intensa no abdômen logo após as refeições, que muitas vezes precisa de medicação endovenosa, e é acompanhada de vômitos, o que gera grande desconforto”, diz Pandullo.
Em casos mais graves, as pedras podem migrar da vesícula e obstruir o canal do pâncreas, levando à pancreatite biliar. Essa complicação provoca sintomas como dor abdominal intensa irradiando para as costas, náuseas, vômitos, febre e, em alguns casos, icterícia –coloração amarelada da pele e dos olhos.
Embora as complicações relacionadas aos cálculos sejam graves, a remoção da vesícula geralmente não traz grandes consequências para o paciente. Fernando Pandullo destaca que a diarreia é um sintoma comum após a remoção, mas muitas pessoas não sentem nada.
O nutrólogo Rubem Regoto, especializado em processos de emagrecimento, aponta que a formação de cálculos biliares é rara em pessoas saudáveis que emagrecem rapidamente. Para ele, a condição é mais comum quando o paciente já tem um problema preexistente.
“Geralmente, os cálculos estão associados a uma lâmina biliar mais espessa [acúmulo de colesterol e sais de cálcio na bile], ou com cálculos que já existiam antes do emagrecimento”, comenta.
A formação de pedras na vesícula é muito comum no pós-bariátrica, de acordo com o médico. O procedimento obriga o paciente a adotar uma dieta com baixa ingestão de calorias e jejum prolongado, o que desregula o equilíbrio do colesterol e dos sais biliares, principais componentes da formação dos cálculos.
O empresário Vinicius Mugnol, 38, fez bariátrica quando pesava 140 kg. Sete meses depois, quando já havia perdido 25 kg, exames de rotina identificaram oito pedras na vesícula. Mas ele não teve sintomas.
“O médico aproveitou os mesmos acessos da bariátrica para remover a vesícula, e o procedimento foi tranquilo. Não tive problemas”, diz.
Vinicius conta que precisou apenas adaptar sua alimentação após a remoção, já que não há mais um órgão para facilitar a digestão e a absorção de gordura.
“Preciso tomar cuidado com frituras e doces, porque a vesícula fazia esse controle. Se eu comer algo como pastel de manhã, passo mal, tenho diarreia. Isso é por causa da bariátrica também.”
Pacientes submetidos a emagrecimento rápido devem ser acompanhados de perto, especialmente quando apresentam fatores de risco para complicações biliares, afirma Eric Pereira, gastroenterologista do Hospital e Clínica São Gonçalo.
“A pedra na vesícula é mais comum em mulheres, devido à influência do estrogênio, que aumenta o colesterol. Pacientes com obesidade também apresentam maiores riscos, assim como pessoas com diabetes”, diz.
Para evitar a formação de cálculos biliares e uma possível cirurgia de remoção da vesícula, Pereira recomenda uma perda de peso controlada.
“Podem fazer uma restrição calórica, mas sem exageros, como jejum de 16 a 20 horas ou ingestão de menos de 800 calorias por dia, pois a restrição excessiva também faz mal.”
De acordo com o médico, estudos mostram que a perda de peso limitada a 1,5 kg por mês diminui a chance de desenvolvimento de pedras na vesícula. No entanto, isso não é possível após a bariátrica, que pode levar a uma perda de 10 a 15 kg em dois meses ou menos. Nesses casos, é importante manter uma dieta equilibrada.
“Deve-se reduzir carboidratos, equilibrar com proteínas e gorduras, ingerir bastante vitamina C, que é um fator de proteção, e consumir bastante fibra. A atividade física também é importante. Pacientes que fizeram bariátrica, porém, têm uma chance de desenvolver cálculos de 20%, enquanto na população geral esse risco é de 5% a 7%.”
O também empresário Matheus Teodoro, 25, conta que precisou retirar a vesícula mesmo sem ter feito bariátrica. Com 114 kg, ele começou a fazer exercícios e passou a uma dieta restritiva e a usar medicamentos como Ozempic. Depois de perder 16 kg, foram identificados os cálculos biliares.
“Comi fritura e passei o final de semana com muita dor abdominal e diarreia, uma dor absurda”, lembra.
Após procurar um médico, foi diagnosticado com duas pedras na vesícula. A cirurgia foi realizada em novembro, poucos dias após o diagnóstico.
Depois do procedimento, Matheus passou três dias com prisão de ventre e dor abdominal. Passada a fase inicial, ele também enfrentou períodos de diarreia e teve que adaptar a alimentação.
“Agora, consumo mais frutas, legumes e gorduras saudáveis. Evito frituras e alimentos industrializados, que são pesados para o corpo absorver.”