Que coisa linda é a combinação entre ciência, medicina e políticas governamentais. Desde que eu nasci, nos anos 1970, a expectativa de vida dos brasileiros pulou de menos de 60 anos para quase 80. Eu desfruto do benefício dessa mudança com ambos meus pais ainda vivos e a perspectiva de eu ver meus filhos passarem dos 50 e quem sabe conhecer meus bisnetos.
Ter a possibilidade de envelhecer, em vez de morrer jovem, significa contudo se expor aos riscos de todos os problemas de saúde que resultam do acúmulo de danos ao longo do tempo. Doença de Alzheimer, Parkinson e demência vascular são os mais temidos, mas menos comuns do que ataques cardíacos e derrames, isquemias e infartos cerebrais.
Tudo isso justifica investir pesado em ainda mais ciência, medicina e políticas governamentais para entender o processo do envelhecimento e melhorar a qualidade de vida da população idosa, que em mais e mais países cresce em relação à fração jovem e produtiva.
Laboratórios que estudam envelhecimento não faltam no mundo, mas a grande maioria deles usa camundongos como modelo de pesquisa. O que torna o uso desses animais prático também faz deles um péssimo modelo para o envelhecimento humano: eles vivem apenas dois anos. Para entender o que 80 anos de vida fazem com um cérebro é preciso estudar cérebros ao longo de 80 anos.
A parte que diz “ao longo” dos anos é fundamental. Isso é o que caracteriza um estudo longitudinal, que acompanha os mesmos indivíduos conforme o tempo passa e os danos no corpo se acumulam. A versão rápida e rasteira é o estudo transversal, que compara em um único momento indivíduos de várias idades diferentes. Esses estudos são relativamente baratos, mas não ensinam nada sobre uma das coisas mais importantes no envelhecimento: os fatores de risco e preditores de declínio, demência e finalmente morte.
Estudos longitudinais são raros porque custam caro e envolvem dedicação e empenho de um tamanho que eu só pude apreciar agora, em visita ao Centro de Pesquisa do Cérebro em Bangalore, na Índia. Este é o irmão mais velho, e mais rico, do centro em Chennai que mapeia o cérebro humano, sobre o qual escrevi na semana passada. Ambos são financiados predominantemente pelo mesmo bilionário indiano, Kris Gopalakrishnan, o que garante financiamento continuado e de porte suficiente, impérvio às mudanças de governo.
O Centro de Pesquisa do Cérebro na Índia é um prédio de cinco andares inteiramente dedicado à missão de acompanhar, documentar e entender o processo de envelhecimento de mil indianos da população urbana de Bangalore e outros 10 mil de uma cidade rural vizinha. Os mil habitantes de Bangalore são avaliados individualmente uma vez por ano. Com cinco dias úteis na semana, isso dá uma média de quatro voluntários por dia passando de especialista em especialista no prédio, onde fazem exames de vista, equilíbrio e locomoção, audiometria, função cardíaca, sangue e expressão gênica, além de uma bateria de testes cognitivos e ressonância magnética anatômica e funcional.
Laboratórios de pesquisa no prédio estudam os inevitáveis camundongos, mas os humanos são os animais de destaque.
O centro opera em conjunto com o Instituto Indiano de Ciência, o que revela o comprometimento do governo. É uma decisão inteligente no país mais populoso do mundo, cuja expectativa de vida hoje mal ultrapassa os 70 anos, mas continua a aumentar. Afinal, mais importante do que continuar vivo é envelhecer bem.
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