Após completar as indicações da alta cúpula de seu segundo mandato, cuja data oficial para começar é no próximo dia 20 de janeiro, Donald Trump escolheu figuras leais e com pouca ou nenhuma qualificação às novas funções técnicas, segundo analistas políticos e jornalistas que cobrem a Casa Branca.
Por essa razão, pesquisadores e professores temem possíveis danos de um “Trump 2.0” na ciência não só nos Estados Unidos mas também fora do país.
Entre as preocupações está a indicação de Robert F. Kennedy Jr. para cargo de secretário de Saúde. O advogado ambientalista e defensor do movimento antivacina já se manifestou contra o flúor na água e contra o poder da indústria farmacêutica.
“As indicações que o Trump está fazendo para o Medicare [sistema de saúde para pessoas de baixa renda], para a Saúde, com o Robert F. Kennedy, para as agências de regulação de meio ambiente, e possivelmente reformular o CDC [Centro de Controle e Prevenção de Doenças], elas revelam uma tendência de mudar completamente os rumos das coisas aqui nos EUA”, disse à Folha a economista Monica De Bolle, professora da Universidade de Georgetown e mestre em imunologia pela Johns Hopkins.
“Esses programas devem ter cortes profundos, porque eles [do governo eleito] vendem uma ‘eficiência econômica’, mas é muito difícil falar algo mais concreto porque, primeiro, eu acho que o RFK acaba não ficando no governo do Trump. Eles vão entrar em colisão rápido.”
O Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês), um dos principais financiadores de pesquisa de saúde pública nos EUA, alertou no último dia 12 para a possibilidade de futuros cortes no orçamento do órgão, que conta atualmente com US$ 47 bilhões (cerca de R$ 273 bilhões).
No início do primeiro mandato de Trump, em 2017, quando o instituto dispunha de um orçamento de pouco mais de US$ 31 bilhões (cerca de R$ 180 bilhões), o republicano cortou mais de 18% da verba, incluindo uma redução de US$ 1 bilhão em pesquisas para câncer.
De 2017 a 2020, a Fundação Nacional de Ciência (NSF), principal órgão apoiador de pesquisas nos EUA, viu uma redução de 11%, incluindo cerca de US$ 840 milhões para ciência da computação e US$ 1,2 bilhão para geociências.
A Nasa sofreu uma diminuição de 1% do seu orçamento, enquanto o EPA, órgão ambiental americano, viu um corte mais drástico, de 31%, incluindo US$ 129 milhões para programas de redução da poluição do ar e da água.
Para Marcia Castro, demógrafa, professora de Harvard e colunista desta Folha, é esperado que o orçamento geral para a saúde pública seja reduzido.
Ela lembra, no entanto, que mesmo em governos republicanos anteriores, como o de George W. Bush, políticas de saúde globais, como o de disponibilidade de medicamentos para HIV e o programa global de combate à malária, não foram descontinuadas.
“Há um grande receio de que esses programas sejam cortados, mas eles sempre foram multipartidários. E existe essa incerteza no ar de ter uma nova pandemia —a de H1N1, ou gripe aviária, que se alastra pelos EUA— em outro governo Trump, o que vai ser um desastre total”, afirmou a docente.
Frente aos cortes, áreas de pesquisa como a de ciência básica e aquela que se propõe a compreender o mundo em que vivemos podem ser as primeiras da lista, segundo Castro. “Tradicionalmente, o NSF tem menos dinheiro que o NIH, sempre teve. E, em seu primeiro mandato, todo mundo viu esse impacto negativo.”
Jeffrey Wilson, professor do departamento de Ciências da Terra e Meio Ambiente da Universidade de Michigan, em Ann Arbor, lembra que, quando há cortes profundos, áreas de avanço do conhecimento como a paleontologia —que visa compreender como os organismos já extintos viveram no passado e suas relações com as espécies atuais— têm ainda menos recursos.
“Nem toda a pesquisa que fazemos é imediatamente aplicável a algo que será traduzido em um valor financeiro na sociedade. Algumas das pesquisas que fazemos são importantes apenas porque trazem compreensão do mundo natural de uma maneira melhor, de uma maneira mais abrangente. E essas coisas podem ter utilidade mais tarde”, disse ele, que também é curador do Museu de Paleontologia da instituição.
“Se há um orçamento estreito para algo que já é estreito, então a quantidade de dinheiro que vai para paleontologia será ainda menor”, acrescentou ele, reforçando que é preciso “se preparar para a tempestade”.
Em 2018, Barack Obama disse em uma conferência em Madri, na Espanha, “ser um grave erro” os cortes nos orçamentos da ciência do primeiro governo Trump e reforçou que “o investimento em ciência e a luta contra a mudança climática são só alguns dos desafios que temos que enfrentar”.
De acordo com um estudo publicado na revista Environmental Research Climate no mês passado, a mudança climática aumentou a intensidade de grande parte dos furacões ocorridos no Atlântico de 2019 a 2023 –incluindo os que atingiram de maneira severa a costa americana– e das tempestades de 2024 em aproximadamente 80%.
“As mudanças climáticas vão ser um espinho no meio do caminho, porque elas, segundo pessoas como o próprio Trump já disse, ‘atrapalham os negócios’. E eles querem reduzir o tamanho de parques nacionais para permitir uma maior exploração de recursos naturais, por exemplo, ou reduzir os esforços para investigar os efeitos de poluentes. Essas são ações que vão ter impactos importantes não só nos EUA, mas no mundo”, disse Wilson.
Para De Bolle, porém, ao se cercar de alguns empresários do ramo de energia e bilionários, como Elon Musk, Trump pode passar a olhar para pesquisas que abordem o tema de mudança climática e transição energética, uma vez que passou a ser uma questão também de investimento para essas empresas pautarem o tema da sustentabilidade em seu portfólio.
“Tudo indica que o Trump vai ser mais caótico na parte climática do que ele foi no primeiro mandato? Sem dúvida. Tudo indica que vai priorizar combustíveis fósseis? Sem dúvida. Agora, não dá para dizer que estamos indo de uma situação onde está tudo bem para uma de destruição absoluta. É só ver como os países tiveram dificuldade na última COP para chegar a um acordo de financiamento.”
Para os pesquisadores, há outra preocupação maior, que seria a mudança da autonomia de estudos em universidades para pesquisas voltadas para gênero, diversidade e diminuição da equidade.
“Quanto mais você tem alguém que não é cientista no comando, maior o risco de ter influência”, afirmou Wilson. “E vemos hoje na sociedade uma cultura em que não se valoriza mais a ciência, o conhecimento produzido por universidades. E isso é o que mais me preocupa.”