Eu estava de férias quando saiu no mês passado a nova edição da pesquisa Retratos da Leitura, do Instituto Pró-Livro, que deixou muita gente alarmada —e com boas razões. Os números são os piores da série histórica iniciada em 2007.
Desde a rodada anterior da pesquisa, de 2019, houve uma redução de 6,7 milhões de leitores no país —duas vezes a população do Uruguai, terra de Mario Benedetti e Juan Carlos Onetti, mas desses nomes é provável que aquelas pessoas jamais ouçam falar.
Não há dúvida de que a Retratos da Leitura é uma pesquisa séria e consistente, qualidades indispensáveis para a produção de estatísticas capazes de orientar boas políticas públicas. Mesmo assim, sempre me incomodou o risco de otimismo excessivo embutido em seus critérios para definir o que é um leitor.
Até cinco anos atrás, os leitores eram (segundo a Retratos) mais de metade da população brasileira: 52%. Agora os não leitores assumiram a ponta, com 53% —eis o impacto percentual daqueles dois Uruguais.
Tudo muito ruim, claro, mas o que sempre achei espantoso é estarmos falando de um Brasil rachado mais ou menos ao meio entre quem lê e quem não lê. Como assim? Será que não houve um engano e fizeram a pesquisa em outro país?
Naquele em que moro desde que nasci, metade de pessoas que leem livros eu talvez tenha encontrado em minha turma de graduação na Escola de Comunicação da UFRJ —e, mesmo assim, sei não.
Explica-se: a Retratos considera leitora qualquer pessoa, a partir dos 5 anos de idade, que tenha lido um livro — ou uma parte dele— nos últimos três meses. Mesmo que obrigada.
A consistência dos critérios é, repito, o mais importante nesse caso. É dentro de tais parâmetros que a queda expressiva na leitura e no apreço aos livros flagrada pela edição 2024 da pesquisa deve mesmo nos preocupar.
Admito, porém, que o velho anti-intelectualismo brasileiro tenha me deixado amargo. Quem passou a adolescência lendo escondido, negando ter lido o que tinha lido e zombando de qualquer coisa que parecesse livresca, tudo em nome de se enturmar, não tem como sair incólume.
Quando li a notícia da queda de leitura apontada pela pesquisa atual, meu primeiro pensamento foi o de que os números começavam finalmente a se aproximar da realidade de uma população majoritariamente divorciada dos livros —”os pobres porque não têm acesso e os ricos porque não têm interesse”, nas palavras de Mario Vargas Llosa sobre o Peru.
E por que os números estariam ficando mais condizentes com a realidade? Uma razão plausível seria uma parte dos brasileiros ter perdido a vergonha de admitir que não leu xongas nos últimos três meses —ou, por falar nisso, três anos ou três décadas.
Haveria um paralelo com outras saídas do armário ocorridas no Brasil e no mundo, protagonizadas por gente que perdeu em massa a vergonha de se declarar racista, misógina, homofóbica, nazista etc.
Devo estar errado, mas quando leio no relatório da Retratos que “a média de livros lidos por ano passou de 4,95 títulos para 3,96, a mais baixa da série histórica”, só consigo pensar: “Tudo isso de média? Quero me mudar para esse país!”.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.