O anúncio da ampliação no atendimento à população trans no SUS (Sistema Único de Saúde) gerou críticas de representantes de direita nas redes sociais, como o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e a ex-deputada federal Janaína Paschoal. No X, Nikolas sugeriu um projeto para barrar a medida.
O Ministério da Saúde disse na última quinta (12) que vai aumentar de 22 para 194 o número de serviços voltados para a população trans no SUS em todo país, com investimentos estimados em quase R$ 443 milhões até 2028. O número não inclui serviços atualmente em funcionamento por iniciativa de estados e municípios.
Para entrar em vigor, a portaria precisa de uma publicação em Diário Oficial, o que ainda não aconteceu. Em nota, a Saúde se restringiu a responder que a divulgação ainda não tinha sido feita até esta terça (17).
A medida foi batizada pela pasta como Programa de Atenção Especializada à Saúde da População Trans (Paes Pop Trans). A Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) afirma que o programa permite que o atendimento seja nacional e é fruto de mais de uma década de cobrança de pesquisadores da área da saúde e de movimentos sociais.
O deputado federal Nikolas Ferreira afirmou que vai apresentar um decreto para suspender a portaria, que ainda não foi publicada. Em outubro, o parlamentar já havia tentado impedir uma emenda de R$ 120 mil para a ONG Minhas Crianças Trans, apresentada pela também deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP). A AGU (Advocacia Geral da União) extinguiu a ação em outubro.
A ex-deputada federal Janaina Paschoal diz que defende os direitos das pessoas trans, mas que extrair os seios de “uma mocinha de 18 anos, que pode vir a desejar ser mãe e amamentar” seria uma “mutilação” que só iria favorecer a “indústria farmacêutica” e pediu ao presidente Lula (PT) para não permitir o que ela chama de “crime contra a humanidade”.
O programa formulado pela Saúde se baseou em uma norma de 2019 do CFM (Conselho Federal de Medicina), que já era seguida por serviços de saúde em relação à idade mínima para intervenções cirúrgicas e hormonais entre pessoas trans.
No programa Paes Pop Trans, a Saúde também permite que ambulatórios habilitados prescrevam bloqueadores hormonais a crianças a partir dos primeiros sinais de puberdade para evitar o crescimento das mamas e menstruação. Até então, o serviço era limitado a hospitais universitários, como o Amtigos (Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual) do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), em São Paulo.
Para implementar o programa, a pasta calculou despesas de R$ 68 milhões para 2025 e de R$ 152 milhões até 2028. O orçamento do Ministério da Saúde está em cerca de R$ 236 bilhões.
A Abrasitti (Associação Brasileira Profissional para a Saúde Integral de Pessoas Travestis, Transexuais e Intersexo) afirma que o bloqueio puberal do programa abre a possibilidade para administrá-lo fora do ambiente de pesquisa.
“A restrição, que contrariava as melhores e mais modernas evidências, representava posição que dificultava o cuidado à saúde integral dessa população, durante esse importante ciclo de vida, deixando crianças e adolescentes desassistidas e mais suscetíveis ao adoecimento mental e a violências”, registrou a associação em comunicado divulgado na segunda (16).
Médicos ouvidos pela Folha previam que o programa geraria atrito com a classe política mais conservadora. Um levantamento mostrou que ao menos 292 projetos de lei antitrans foram protocolados nas esferas federal, estadual e municipal em 2023. Entre eles, 47 tentam vetar o uso de bloqueadores e hormônios para menores de 18 anos de idade.
Na capital paulista, o ambulatório do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), referência no atendimento trans, entrou na mira de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), em 2023.