A Defensoria Pública de São Paulo tenta na Justiça, por meio de uma ação civil pública, que a USP seja obrigada a realizar suas bancas de heteroidentificação presencialmente. Em julho, a instituição anunciou que esse processo passaria a ser somente online neste vestibular em razão de ações que apontaram falta de isonomia.
A função dessas comissões é analisar as características dos candidatos autodeclarados pretos ou pardos para confirmar se eles se enquadram ou não nos critérios de elegibilidade para as cotas no vestibular.
Até a seleção passada, havia dois modelos na USP: presencial, para inscritos na Fuvest, e online, para os que concorrem a vagas de graduação via Enem ou Provão Paulista, seleção do governo estadual.
A universidade diz que ainda não foi informada sobre a ação.
Para a Defensoria, a heteroidentificação remota é temerária pois compromete a precisão da análise e pode gerar erros de inclusão (quando candidatos brancos são confirmados) ou exclusão (quando candidatos pretos e pardos não são aceitos).
A ação civil pública, de autoria do defensor Vinicius Conceição Silva Silva, cita casos ocorridos no início deste ano que, afirma o documento, ilustram a fragilidade da análise por videoconferência.
Candidatos recorreram à Justiça após perderem as vagas em cursos disputados por não serem considerados pardos, depois da avaliação virtual.
Decisões em favor dos estudantes, que concorriam por Enem ou Provão Paulista, apontaram que houve quebra de isonomia, já que os candidatos não tiveram o direito de serem avaliados presencialmente, como acontecia com os aprovados pela Fuvest.
“A entrevista presencial permite que a comissão interaja diretamente com o candidato, observando gestos, expressões e postura, além de confirmar a identidade racial de forma mais humanizada”, argumenta Silva Silva na petição. “Essa interação dignifica o processo e fornece contexto para a análise, considerando a complexidade da identidade racial no Brasil, especialmente dos pardos.”
Em razão da urgência, porque os vestibulares para ingresso na USP já estão em andamento, a Defensoria pediu uma liminar (decisão temporária, antes de a questão ser julgada) à Justiça.
O embate entre o órgão público e a universidade se iniciou ainda em agosto, quando a Defensoria cobrou esclarecimentos sobre a heteroidentificação exclusivamente virtual. A instituição levou mais de três meses para encaminhar uma resposta.
Nela, Ana Lúcia Duarte Lanna, pró-reitora de inclusão e pertencimento, argumentou que o número de candidatos aprovados nas bancas realizadas online e presencialmente são próximos. Por isso, a universidade decidiu levar tudo para as videochamadas.
Ela também disse ser função da comissão verificar se a autodeclaração condiz com “como o candidato é lido na sociedade e não de atuar como instância investigativa”.
Uma das últimas universidades públicas do país a adotar cotas raciais, a USP reserva 50% das vagas dos cursos de graduação para alunos que estudaram na rede pública. Dessas vagas, 37,5% são destinadas para candidatos autodeclarados PPI (pretos, pardos e indígenas).
Ela também foi uma das últimas instituições a criar uma comissão de heteroidentificação, formada por um grupo de pessoas que afere a autenticidade da autodeclaração racial dada pelos alunos que ingressam na universidade por meio do sistema de cotas.
A análise é estritamente fenotípica, ou seja, considera apenas as características físicas do candidato, como a cor da pele, os cabelos e a forma da boca e do nariz.