Desde o início do ano, militares investigados por suposta tentativa de golpe em 2022 vêm tentando se livrar de uma eventual condenação pelo Supremo Tribunal Federal. Como ainda não há denúncia formal contra eles, suas defesas têm se concentrado em desmontar as suspeitas de que teriam participado da trama ou ao menos retirar o caso das mãos do ministro Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito. Há também pedidos mais simples, para atenuar a situação dos que foram presos, como manter contato com a família e ter assistência religiosa.
Desde o início do ano, quando prendeu alguns dos investigados, o ministro tem demonstrado rigor nas decisões – no último sábado (14), mandou prender o general Walter Braga Netto, o primeiro com essa patente a ir para a cadeia no período recente. A medida foi questionada juridicamente por advogados por se basear em atos antigos, de agosto de 2023 e fevereiro de 2024. Segundo a polícia, naquela época Braga Netto teria demonstrado interesse em saber mais sobre a delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, que resolveu colaborar com as investigações para reduzir sua pena. Por causa disso, foi acusado de tentar atrapalhar as investigações.
Bolsonaro, Braga Netto, Cid e outras 37 pessoas já foram indiciadas pela Polícia Federal pelos crimes de organização criminosa, tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O relatório final da investigação já está com a Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem cabe apresentar denúncia – a expectativa é que isso ocorra no ano que vem, quando o STF também poderá analisar as acusações e abrir uma ação penal, ao fim da qual os indiciados poderão ser condenados ou absolvidos.
Na segunda-feira (16), um dos militares investigados, o tenente-coronel Rodrigo Bezerra Azevedo, suspeito de participar de uma tentativa de prender ou executar Moraes em dezembro de 2022, pediu para o ministro se retirar do caso e enviar seu indiciamento para a Justiça Militar. Sua defesa citou artigo do Código Penal Militar segundo o qual considera-se crime militar aquele previsto na legislação penal quando praticado por militar em serviço.
“As condutas identificadas pela investigação demonstram, em tese, que esse núcleo de atuação [operacional, no qual Azevedo foi inserido] se utilizou de elevado nível de conhecimento técnico-militar para planejar, coordenar e executar ações ilícitas, as quais envolviam, inclusive, o monitoramento do Ministro Alexandre de Moraes”, escreveu o advogado Jeffrey Chiquini.
Rodrigo Bezerra Azevedo é um militar das Forças Especiais, cujos integrantes também são conhecidos como “kids pretos”. Segundo as investigações, ele teria participado da operação “Copa 2022”, no qual militares teriam seguido Moraes pelas vias de Brasília, inclusive perto de sua casa, para prendê-lo ou mata-lo. O plano teria sido abortado, segundo a PF, porque no mesmo dia, 15 de dezembro de 2022, Bolsonaro teria desistido de assinar um decreto para rever o resultado das eleições e impor um estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No último dia 5 de dezembro, Azevedo foi interrogado pelo delegado Fábio Shor, que conduz a investigação na PF. Durante o procedimento, Shor tentou confirmar se Azevedo participou da operação com base em dados captados por antenas das operadoras de celular. A investigação mostrou que, no fim de dezembro, um aparelho celular usado na operação teve o chip trocado por Azevedo perto de sua casa. O militar confirmou que pegou o aparelho e inseriu nele um chip cadastrado em nome de outra pessoa, mas somente no fim do mês, não no dia 15.
A inserção de um chip em nome de uma terceira pessoa, disse Azevedo, é procedimento de praxe entre militares de Forças Especiais para proteção pessoal. Explicou que em muitas missões especiais, de combate ao crime nas fronteiras, kids pretos usam linhas cadastradas em nome de outras pessoas porque o crime organizado corrompe funcionários de companhias telefônicas para localizar e identificar agentes do Estado, o que colocaria suas vidas em risco.
Ele negou que tenha participado da tentativa de prender ou executar Moraes em 15 de dezembro. “Eu não estava nesse dia 15, eu não usei o celular no dia 15, eu comecei a usar esse celular a partir do dia 20 e alguma coisa”, disse Azevedo, acrescentando que nessa data comemorou seu aniversário em casa com a família e amigos – seu documento de identidade, registrado no depoimento, confirma sua data de nascimento em 15 de dezembro de 1981.
A outra prova apresentada pela PF é uma mensagem que Azevedo mandou em um grupo de WhatsApp, em 30 de dezembro de 2022, com o seguinte teor: “Rapaziada, esse grupo aqui, para mim, perdeu a finalidade. Deixo aqui um abraço para a FE de verdade, que fizeram o que podiam para honrar o próprio nome e as Forças Especiais. Qualquer coisa, estou no privado. Força”. A suspeita da PF é que a mensagem seria um lamento pela não execução do golpe de Estado. Azevedo explicou que era um desabafo com colegas por questões internas da caserna – ele estava mudando de setor e disse que havia carência de pessoal e material.
Outros militares têm se manifestado no STF com pedidos mais usuais, como o de amplo acesso às provas colhidas pela PF nas investigações – pleito comum entre as defesas para tentar encontrar provas que contrastem com a versão da polícia sobre os acontecimentos. Nas últimas semanas fizeram pedidos assim Azevedo e o coronel Marcelo Câmara, preso em fevereiro pela suspeita de que monitorava os deslocamentos de Moraes no fim de 2022.
Na época da prisão de Marcelo Câmara, seu advogado, Luiz Eduardo Kuntz, pediu o afastamento de Moraes da investigação. “Me parece, data máxima vênia, haver impedimento do excelentíssimo ministro Alexandre de Moraes, para que possa conduzir, por mais preparado, experimentado que seja, considerando que os relatos aqui trazidos colocam, especialmente na figura do meu cliente um eventual e possível monitoramento do ministro Alexandre. Respeitosamente, me parece que o ministro Alexandre não pode mais exercer jurisdição nesses autos. Gostaria de requerer que o feito fosse imediatamente redistribuído e assim prosseguíssemos com outro ministro”, disse o advogado na audiência de custódia.
Alexandre de Moraes permanece à frente do caso. Um pedido de impedimento, apresentado pela defesa de Bolsonaro, pelo fato de o ministro figurar como possível vítima do plano de execução e ao mesmo tempo juiz do caso, foi rejeitado na semana passada por 9 votos a 1.
Preso no 1º Batalhão de Guardas do Rio de Janeiro, o tenente-coronel do Exército Hélio Ferreira Lima – suspeito de elaborar plano para implementar um golpe e monitorar movimentações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antes da posse – pediu a Alexandre de Moraes que pudesse ser visitado por “representante religioso de sua confiança”, “para que lhe preste assistência espiritual e conforto religioso”. “Referida visita pode ser realizada tanto na modalidade presencial quanto virtual, em datas e horários a serem previamente agendados”, disse o pedido enviado a Moraes.
Alguns pedidos feitos por militares já foram atendidos por Moraes. No último dia 5 de dezembro, ele autorizou que o major Rafael Martins – também suspeito de participar da operação para prender ou matar o ministro – retirasse a tornozeleira eletrônica. Também permitiu que Rodrigo Azevedo e Mario Fernandes – general suspeito de arquitetar o golpe – recebesse visitas de parentes nos batalhões onde estão presos.