A agricultora Selma Ferreira, 55, viu o fogo destruir suas plantações e seus sonhos várias vezes na comunidade de Canaã, no município de Mojuí dos Campos (PA), vizinho de Santarém (PA), na amazônia. Em meio à insegurança alimentar, como resultado, e aos conflitos territoriais com fazendeiros, ela se reuniu a outras trabalhadoras rurais para, juntas, enfrentarem os problemas no campo.
O desejo de lutar pela agroecologia, pelos direitos fundiários e pelo empoderamento feminino levou o grupo a criar, em 2015, a Amabela (Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Belterra). A entidade atua hoje com mais de cem integrantes na região conhecida como Baixo Tapajós, no Pará —onde há um largo histórico de grilagem de terras e desmatamento ilegal.
Ferreira conta que saiu da cidade de Campo Mourão, no interior do Paraná, em 1982, para tentar a vida na amazônia. Inicialmente, o sonho era ter uma fazenda de gado.
Contudo, ao lidar com a terra para proprietários rurais que utilizavam fogo para a ampliação de áreas de plantio, ela percebeu que não era aquilo que realmente queria. Ao presenciar grandes incêndios associados às práticas do agronegócio, ela relata que buscou outras alternativas de viver do campo, sem precisar destruir a floresta e o solo.
“A gente trabalhou muito nesse contexto de queimadas, de derrubadas [de árvores], para poder fazer nossas roças. Era nossa sobrevivência. Mas com a chegada da agroecologia, a gente viu que dava de trabalhar diferente”, diz.
Seguindo os preceitos da agrofloresta, ou agroecologia, Ferreira e outras mulheres da associação experimentaram o cultivo de diversas espécies de frutas e hortaliças, combinado com a floresta de pé e sem a utilização de agrotóxico —na contramão da expansão das lavouras de soja e milho em propriedades vizinhas aos assentamentos da agricultura familiar.
Investir no agroecossistema sustentável não foi, e ainda não é, uma escolha fácil, diz Ferreira.
A primeira barreira surgiu dentro das próprias casas, quando os maridos resistiram à ideia. Eles, porém, também foram convencidos após novas temporadas de queimadas. Já o segundo obstáculo persiste até hoje: os conflitos territoriais.
Além da violência no campo, eles impulsionam a destruição da floresta com desmate e queimadas ilegais, cujo estrago tem sido intensificado nos últimos anos pela seca extrema e prolongada. É um ciclo que se retroalimenta: as áreas degradadas, por sua vez, são mais vulneráveis à ignição e propagação de incêndios em grande escala.
O fogo mudou o comportamento na floresta, como também no lar de Selma Ferreira. Viúva, ela viu os quatro filhos, e também os netos, migrarem para a “cidade grande”, onde buscam melhor qualidade de vida. Como na mata degradada, de onde animais se evadem devido à escassez, a casa da agricultora foi se esvaziando.
“Viver aqui na comunidade não é fácil. A nossa vida é bem escassa. A gente vai poder comer todo dia, mas não vai ter dinheiro todo dia. A gente fica migrando porque precisa sobreviver. Os filhos saem, vão procurar recursos nas cidades, e não voltam. Aí fica só a saudade”, conta, com a voz embargada.
Ironildes Santos, 50, agricultora e associada da Amabela, entende bem de saudade de filhos e netos. Ela relata que o fogo agravou a situação de pobreza das famílias, o que reforçou a ideia de os jovens deixarem a vida rural.
“Quando queima a floresta, quando não tem animal, quando não tem como viver aqui, os filhos vão embora para trabalhar, mandar dinheiro e ajudar os pais, mas a saudade fica, né? Eu digo que a pior coisa não é ficar sem água, sem luz ou sem estrada. O pior é não ter os filhos perto”, lamenta.
Um dos grandes incêndios na região deixou marcas também no corpo de Santos. Ela teve queimaduras de primeiro grau no rosto, no tórax e nos braços durante o combate ao fogo em 2023. As chamas começaram em fazendas vizinhas, alegam as mulheres da Amabela.
As trabalhadoras contam que sofreram perseguição de fazendeiros por terem chamado o Prevfogo, do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), para enfrentar as queimadas.
O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.