Aos 37 anos, acostumado a pedalar mais de 40 km por dia e sem fatores de risco, o analista de sistemas Rodrigo Martins Silva nem desconfiou que a falta de ar e a dor no peito que sentiu ao chegar em casa, após uma longa caminhada em uma trilha, fossem sintomas de um infarto.
Foi a mulher Nicoly, 31, que suspeitou das queixas do marido e chamou o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Diante da demora do serviço, acionou os vizinhos, que levaram Silva a uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) a 800 metros da sua casa, na Vila São Silvestre, zona leste da capital paulista.
No local, ele fez um eletrocardiograma, que apontou o infarto. Foi, então, levado de ambulância para o Hospital Santa Marcelina, principal referência de alta complexidade do SUS (Sistema Único de Saúde) na região. Em menos de duas horas, ele passou por um cateterismo e recebeu um stent na artéria obstruída.
“Na hora, só pensava no meu filho e na minha mulher que estava grávida do caçula. Ainda bem que o atendimento foi muito rápido. Se eu tivesse que ficar esperando vaga na UPA, não estaria mais aqui”, conta. O infarto foi em outubro do ano passado e hoje ele está recuperado.
Silva faz parte de um grupo de pacientes acompanhados por um sistema do Santa Marcelina Saúde que oferece um diagnóstico mais rápido e um tratamento mais assertivo de uma forma grave de infarto do miocárdio (com supradesnivelamento do segmento ST).
Um estudo que avaliou três anos antes e três anos após a implantação do programa mostrou que a taxa de mortalidade hospitalar desses pacientes caiu de 6,8% para 11,4%, ou seja, uma redução do risco relativo de 40,3%.
O programa prevê que os pacientes com sintomas de infarto, como Rodrigo Silva, realizem um eletrocardiograma nos primeiros dez minutos da chegada ao pronto-socorro.
O procedimento pode ser feito por uma enfermeira ou clínico geral. Os resultados são inseridos em um tablet e, por meio da telemedicina, o cardiologista que está na matriz do Santa Marcelina, em Itaquera (zona leste), interpreta o exame em até três minutos. O sistema funciona 24 horas por dia, sete dias por semana.
Se o exame identificar a alteração cardíaca que indica que a artéria coronariana está obstruída, é preciso correr contra o tempo.
“Se não abrirmos a artéria nas primeiras horas do infarto, o paciente pode vir a óbito por arritmia ou insuficiência cardíaca”, explica o cardiologista Jamil Ribeiro Cade, coordenador do Serviço de Cardiologia Intervencionista do Santa Marcelina Saúde.
Identificado o infarto, o paciente é encaminhado de ambulância UTI (Unidade de Terapia Intensiva) ao Santa Marcelina e a meta é que em até 120 minutos ele chegue à sala de cateterismo para a realização da angioplastia primária.
O programa foi desenvolvido para atender as seis unidades da rede Santa Marcelina que não possuem sala de hemodinâmica para a realização do cateterismo nos pacientes infartados. São elas: UPA 26 de Agosto, UPA Tito Lopes, Hospital Cidade Tiradentes, Itaim Paulista, Itaquaquecetuba e São Bernardo do Campo.
No ano passado, o programa ganhou o primeiro lugar na categoria atenção hospitalar do prêmio Criação SUS.
Segundo Jamil Cade, em outras instituições de saúde do SUS, o protocolo utilizado para o infarto é o uso do trombolítico. “Quando você não tem o cateterismo imediato, o trombolítico é ótimo, mas, em 20% dos casos, ele não será suficiente para abrir a artéria. O paciente tem ir imediatamente para o cateterismo.”
O trombolítico funciona de duas maneiras: ajuda a dissolver os coágulos que estão bloqueando as artérias, permitindo que o sangue circule pelo corpo, e também facilita a reparação e recuperação do músculo cardíaco afetado.
Na maioria das vezes, explica o cardiologista, é realizado o implante de um stent farmacológico, que é ofertado pelo SUS na fase aguda do infarto.
No estudo realizado pelo Santa Marcelina para avaliar o impacto do programa, 607 pacientes foram acompanhados. Desses, 380 foram submetidos à angioplastia primária nas primeiras 12 horas do início do infarto, com uma taxa de 6% de mortalidade hospitalar.
Outros 47 também fizeram angioplastia, mas após as 12 horas preconizadas. Entre eles, a taxa de mortalidade foi de 8,9%. Os resultados foram publicados na revista Arquivos Brasileiros de Cardiologia.
“Isso reforça o que as diretrizes internacionais recomendam: é preciso levar esses pacientes para o cateterismo nas primeiras 12 horas”, diz Jamil Cade.
Segundo ele, nos 60 casos em que o paciente primeiro tomou o trombolítico para depois fazer o cateterismo (porque não tinha ambulância disponível para levá-lo ao hospital ou porque não havia equipe médica para o procedimento), a taxa de mortalidade foi de 8,3%.
“O melhor cenário não é dar o trombolítico e encaminhar, o melhor cenário é encaminhar o paciente nas primeiras 12 horas [para o cateterismo e angioplastia]”
Além de ser mais efetiva para o paciente, a estratégia também é positiva para aos cofres públicos. “Eu reduzo o uso de trombolítico, que custa US$ 1.500 [cerca de R$ 9.200] o frasco e eu reduzo duas diárias de UTI. Quando eu abro a artéria do paciente no infarto, esse paciente pode ficar em um leito de semi-intensiva.”
De acordo com o estudo, nos primeiros 600 pacientes acompanhados pelo projeto no Santa Marcelina, houve redução de US$ 988 mil (R$ 6.073 milhões) de custos diretos ao SUS. Ao mesmo tempo, o hospital aumentou em 48% o número de internações por infarto devido à alta de diagnósticos e de tratamento mais efetivo.
O Ministério da Saúde financia um outro projeto que também usa a telemedicina para apoiar UPAs pelo país e que também tem conseguido reduzir o tempo do diagnóstico e do início do tratamento do infarto agudo do miocárdio por meio de trombolíticos. Não há garantia, porém, do acesso rápido ao cateterismo e à angioplastia, como no programa do Santa Marcelina.