A inesperada decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), que declarou o governador Ronaldo Caiado (União Brasil) inelegível por oito anos, adicionou um novo elemento de instabilidade ao cenário político nacional e embaralhou ainda mais o jogo sucessório para a presidência da República em 2026. O episódio reforça a imprevisibilidade do processo eleitoral e pode reconfigurar alianças e estratégias.
A sentença, fundamentada em acusações de abuso de poder político nas eleições municipais de 2024, perturba os planos de Caiado de alavancar sua pré-candidatura presidencial, prevista para iniciar em março de 2025 em um grande evento em Salvador (BA). Ele tem se colocado como uma opção para representar a direita tradicional na corrida presidencial e acenando para o Centrão.
A ação foi movida pelo candidato derrotado do PL na eleição municipal, Fred Rodrigues. Segundo ela, Caiado teria utilizado indevidamente o Palácio das Esmeraldas para promover eventos que favoreceram seus aliados políticos, especialmente o prefeito eleito de Goiânia, Sandro Mabel (União Brasil). Apesar disso, o governador classificou a decisão como “injusta e desproporcional” e prometeu recorrer até ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Uso da estrutura de poder em eleições já provocou decisões diferentes da Justiça
A polêmica decisão reacendeu o debate sobre o uso da máquina pública em campanhas eleitorais. Políticos e analistas apontaram que práticas semelhantes já foram realizadas por outros, como os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT) e Jair Bolsonaro (PL), sem que houvesse punições tão severas. Caiado mencionou, por exemplo, a absolvição de Dilma em 2014, quando o então ministro do TSE Dias Toffoli considerou improcedente uma representação do PSDB por uso do Palácio do Planalto.
O governador também ironizou críticas vindas do deputado Gustavo Gayer (PL-GO), que acusou Caiado de ter cometido crimes políticos. Gayer também alegou que Caiado teria apoiado uma ação da Polícia Federal contra ele. Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) condenou a decisão do TRE-GO como “absurda” e uma “pena de morte política”.
A conjuntura coloca em evidência a crescente tensão entre Caiado e os seguidores de Bolsonaro, agravada pela disputa feroz nas recentes eleições municipais em Goiás. Contudo, Flávio Bolsonaro sugeriu que o momento exige convergência entre as forças da direita, acima das rivalidades momentâneas, para articular um projeto viável para vencer a esquerda em 2026.
Outro crítico da decisão, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) também considerou a inelegibilidade de Caiado como um movimento questionável no tabuleiro político, sugerindo que ela ocorre justamente quando o governador se assumiu como candidato ao Palácio do Planalto. O desdobramento desse caso será acompanhado de perto, tanto pelos adversários políticos quanto pelos aliados do governador.
Movimentos nos partidos e na Justiça alimentam especulações sobre 2026
Faltando menos de dois anos para as eleições presidenciais, o cenário político brasileiro segue envolto em incertezas e rearranjos estratégicos. A inelegibilidade de Caiado, somada à inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro intensifica os desafios para a direita na construção de uma candidatura unificada capaz de enfrentar o presidente Lula, até agora o candidato mais viável da esquerda.
No PL, a tentativa de manter Bolsonaro como figura central da oposição enfrenta dificuldades crescentes. A recente decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) de rejeitar o pedido de suspeição contra o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito sobre suposto golpe de Estado, reforça os obstáculos jurídicos do ex-presidente. Enquanto isso, a busca por um substituto viável dentro do grupo fiel ao ex-presidente revela limitações.
Os nomes mais cotados, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), enfrentam mudanças de perspectiva. Tarcísio parece mais inclinado a buscar a reeleição ao governo paulista, enquanto Michelle foca na ampliação da bancada conservadora no Senado. Nesse contexto, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o “filho 02” do ex-presidente, surge como “plano B” para a chapa presidencial.
Enquanto isso, outros nomes tentam se reabilitar. O empresário Pablo Marçal (PRTB), que surpreendeu nas eleições para a prefeitura de São Paulo, volta a despertar interesse como possível alternativa da direita. Governadores como Romeu Zema (Novo-MG) e Ratinho Junior (PSD-PR) também retornam ao páreo, com potencial para atrair eleitores conservadores e moderados.
Saúde de Lula suscita discussão interna no PT sobre quem seria eventual substituto
No campo governista, o PT enfrenta o desafio de planejar um cenário em que Lula, hoje com 79 anos, possa optar por não disputar um quarto mandato. Embora uma recente pesquisa Genial/Quaest tenha mostrado que 52% do eleitorado prefere que Lula não concorra à reeleição em 2026, muitos ainda consideram votar nele diante da falta de alternativas competitivas.
A saúde do presidente é uma questão que preocupa seus aliados, enquanto o cenário econômico adiciona mais pressão. A alta do dólar, da inflação e dos juros, impulsionada pelo desequilíbrio fiscal, ameaça a popularidade do governo. Além disso, chama a atenção a possibilidade de uma mudança na relação do Brasil com os Estados Unidos a partir de 2025 e seus impactos na economia global gera incertezas adicionais.
A aprovação do governo, de acordo com pesquisa da Quaest divulgada nesta semana, é de 52%, um ponto percentual acima do índice registrado em outubro. No entanto, a reprovação subiu de 45% para 47%, indicando uma crescente polarização.
A recente decisão do Banco Central de elevar a taxa Selic para 12,25%, com previsões de novos aumentos em 2024, pode agravar o descontentamento popular. O Brasil já tem a segunda maior taxa básica de juros do mundo, atrás só da Turquia, e o impacto dessa política na atividade econômica pode ser decisivo para as eleições de 2026.
Para analista, candidatura de Lula à reeleição se tornou a maior variável
Luiz Filipe Freitas, consultor político do escritório Malta Advogados, avalia que, embora a condenação de Caiado pela Justiça Eleitoral de Goiás represente um problema significativo, seus efeitos práticos ainda são incertos, considerando a possibilidade de recursos. No entanto, ele acredita que a imagem do governador já está comprometida, especialmente quando o caso chegar ao TSE, onde adversários devem explorar amplamente o episódio como munição política.
No que diz respeito à reorganização da direita e à definição de seus presidenciáveis, Freitas destaca que a saúde de Lula se tornou a principal variável a ser considerada no momento. “Antes de a direita se alinhar em torno de um nome, será a decisão do presidente de concorrer ou não à reeleição que definirá o jogo”, afirmou.
Ele observa que as atuais dificuldades de saúde de Lula, aliadas aos desafios de governabilidade e à polarização do cenário político, podem dificultar sua candidatura em 2026, abrindo espaço para lacunas estratégicas que serão exploradas tanto pela direita quanto pela esquerda.
“Em tese, o PT ainda terá a máquina pública em suas mãos. Mesmo que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) enfrente resistência como candidato, poderá se beneficiar do Executivo e dos resultados das reformas aprovadas no Congresso”, explicou.
Quanto a Tarcísio de Freitas, o especialista acredita que Gilberto Kassab, atual secretário de Governo de São Paulo e presidente do PSD, está articulando a construção da imagem do governador como opção centrista para as eleições de 2030. Esse movimento inclui um distanciamento estratégico de Bolsonaro e de posições mais extremas, contando com um cenário em que Lula não seja mais candidato.