Lucas Bernardo Alves, 27, deu à luz uma criança, Maria Cecília, na quinta-feira (12), na Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em Laranjeiras, na zona sul do Rio de Janeiro. Lucas, um homem trans, foi o primeiro a conseguir na unidade esse tipo de acompanhamento pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
No processo, Lucas conta que teve o privilégio que muitos transexuais sofrem para conseguir. Não teve problemas, por exemplo, com pronomes, o que normalmente acontece nesses casos. “Foi tudo super satisfatório. Estou muito feliz e satisfeito.” Mesmo anestesiado, Lucas sorria emocionado e agradecia a equipe pelo carinho e o acompanhamento, segundo a equipe médica.
É o segundo parto via SUS pelo programa Trangesta, do Ministério da Saúde, uma iniciativa que promove o cuidado assistencial respeitando a identidade de gênero e as peculiaridades dos corpos. A primeira criança pelo programa nasceu em junho, na Bahia, de Bernardo Costa Silva, 24, segundo a assessoria do ministério.
Para que todo o processo pudesse ser bem-sucedido, o uso do hormônio masculinizante de Lucas foi suspendido durante a gravidez para não afetar diretamente o feto.
O treinamento envolve toda a cadeia, do paciente até o recepcionista e o médico que opera, segundo Jair Braga, chefe da Divisão Médica da Maternidade Escola, do Complexo Hospitalar da UFRJ.
“Todos os envolvidos nessa cadeia precisam desse cuidado para evitar situações que possam constranger o paciente. A gente sabe que muitas vezes as pessoas, por desconhecimento, podem fazer comentários que podem constranger” disse Braga.
“É um processo de aprendizado para nós, e a gente quer realmente que a equipe toda esteja capacitada. Queremos que respeito seja a principal palavra a ser utilizada e que a gente consiga repetir uma experiência única e maravilhosa como essa que aconteceu tanto para o Lucas quanto para a Cecília, sua filha.”
A criança nasceu saudável, e a cirurgia não teve grandes complicações. Em pouco tempo de trabalho de parto, o paciente estava com a filha nos braços, acompanhado pela mãe de Lucas.
Todo o pré-natal especializado para pessoas trans que Lucas recebeu aconteceu por meio do programa Transgesta.
Segundo a ginecologista e gerente de atenção à saúde da Maternidade Escola, Penélope Marinho, o paciente iniciou o pré-natal no final do segundo trimestre de gestação.
“O pré-natal transcorreu bem, o paciente teve o acompanhamento da equipe multidisciplinar, da psicologia, da psiquiatria, do serviço social, da nutrição e não teve nenhuma intercorrência, a avaliação pelo ultrassom seguiu normal.”
Programa Transgesta
Por meio do Trangesta, a Maternidade Escola da UFRJ faz todo o trabalho para pessoas que se reconheçam e se declarem como transexuais, travestis, transgêneras, intersexo e outras denominações que representem formas diversas de identidade de gênero.
Iniciado em agosto, o Transgesta conta com uma equipe multiprofissional, composta por enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, endocrinologistas, nutrólogos, obstetras e psiquiatras, que definem o plano terapêutico e a rotina de cuidados para cada caso.
No Rio, para ter acesso ao Trangesta, a pessoa deve procurar a UBS (Unidade Básica de Saúde) mais próxima à residência e ser encaminhada à Maternidade Escola da UFRJ pelo sistema público de regulação.
A primeira unidade de saúde a realizar o pré-natal e o parto de uma pessoa trans no Brasil pelo SUS foi a MCO (Maternidade Climério de Oliveira), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), também vinculada ao ministério.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.