Marcio R. Francelino, 58, pesquisador da Universidade Federal de Viçosa, é um veterano da Antártida. O agrônomo está em sua 17ª expedição ao continente. E, desta vez, seu objetivo é ampliar ainda mais o monitoramento realizado do permafrost mundo afora.
Cientista do solo, ele diz que antes brincavam sobre a presença de um agrônomo na Antártida. Iria plantar o que lá?
Atualmente, graças ao seu trabalho e ao de parceiros, Francelino afirma que é possível achar um pedacinho da Antártida em Viçosa, interior de Minas Gerais —a universidade da cidade possui, segundo ele, o maior banco de solos antárticos.
O pesquisador conta, no Diário da Antártida desta semana, por que enfrenta o frio, voos antárticos de helicóptero e ventos extremos para perfurar o permafrost.
O que um agrônomo está fazendo aqui na Antártida? Vai plantar o quê? Era o que outros pesquisadores perguntavam, em tom de brincadeira, quando nós chegamos. Somos cientistas de solo e é por isso que estamos aqui. Esta é minha 17ª vinda para a Antártida, venho desde 2003.
Temos uma rede que é, talvez, a maior rede de monitoramento, de um único país, do permafrost e da camada ativa na Antártida. Contamos com 30 sítios de monitoramento que registram a temperatura do permafrost a cada hora e isso depois é enviado ao Brasil. Acompanhamos quase em tempo real.
Quando se refere a solos antárticos, hoje 25% de toda a produção científica mundial é feito pelo nosso grupo. Possuímos o maior banco de solos antárticos do planeta lá no interior de Minas Gerais, na pequena cidade de Viçosa.
Minha missão aqui é ampliar essa rede para uma parte da Antártida que nunca visitamos. Iremos implementar quatro sítios, dos quais um foi implementado na última terça-feira (10), próximo à estação científica indiana de Maitri.
O permafrost é um grande reservatório de gases de efeito estufa e o seu derretimento pode ter grande influência na mudança do clima mundial. A partir dos dados gerados é possível produzir modelos que possam prever a sua dinâmica em cenários futuros. Outro ponto importante é demonstrar a diferença entre o permafrost da Antártida e o do Ártico.
Abrimos um perfil, um furo no permafrost, que é o solo congelado, e inserimos nele sensores, em diferentes profundidades, de temperatura, de umidade do solo e de dióxido de carbono. Na parte mais superficial vai o sensor de umidade e o sensor de CO2.
Trouxemos vários equipamentos, como perfuratriz, sensores e placa solar. A gente espera que nos envie dados por, no mínimo, seis anos, mas acreditamos em dez anos.
Depois de 18 dias navegando, deixamos tudo preparado —os testes de cada sensor, a programação, tudo. É como se fosse uma única bala. No momento em que são instalados os sensores, é preciso aguardar 24 horas para ver se deu tudo certo. Então fica aquela agonia, né?
Esse que instalamos agora, na terça-feira, deu certo. Já recebemos os dados e está funcionando perfeitamente. Agora estamos no preparo dos próximos três sítios.
A ideia é a gente converter a dinâmica do permafrost em um sensor de mudança climática na Antártida. O objetivo desse trabalho é expandir nossa rede de monitoramento climático do permafrost.
Um monitoramento, por exemplo, da temperatura do ar tem uma variação muito grande dentro de um intervalo de 24 horas, de uma semana, de um mês, de um ano para o outro. Então, você precisa de um tempo muito longo para ter uma ideia se realmente está ocorrendo uma mudança.
Na Antártida, o solo congelado é um sensor mais sensível para isso. Ele dá uma resposta mais rápida. Temos sítios que geram dados desde 2008, já dando uma noção de onde está tendo alguma variação do clima no nível do permafrost.
Por exemplo, na parte leste da península Antártica, onde temos sítio nas ilhas de Vega, de Marambio e de James Royce, vemos uma tendência de aquecimento maior que, por exemplo, das ilhas Shetland do Sul.
Tivemos cerca de dez horas de trabalho nessa área próxima da estação de Maitri. Não é fácil fazer uma perfuração em um solo congelado. Ele vira uma pedra. Por isso, trouxemos uma perfuratriz portátil, com um alcance menor. Temos perfuratrizes maiores, só que não daria tempo, porque até montar e fazer tudo seria coisa de, no mínimo, cinco ou seis dias.
Com a outra perfuratriz conseguimos fazer furos entre 10 e 6 metros de profundidade. Com a que trouxemos, conseguimos de até dois metros. Mesmo assim leva tempo. Das dez horas, só para fazer o furo foram seis horas. E ainda precisava de montar todos os sensores, a fiação, a instalação do transmissor de dados via satélite, placa solar. Terminamos em cima do tempo, montamos e retornamos para o navio. Aí tivemos que esperar até quarta-feira.
Foi, pelo menos, um tiro certo.
Nós tivemos muita sorte. Saímos do navio com o tempo bastante nublado, com vento. A estação Maitri fica, a mais ou menos, uns 80 km da costa, cerca de uma hora de voo de helicóptero.
Chegamos lá e o tempo já estava bem melhor. Tivemos ainda de caminhar 1,2 km, levando os equipamentos.
Quando chegamos ao ponto selecionado, o tempo melhorou demais, abriu o sol e o vento parou. Pegamos uma condição climática bastante favorável. É claro, não dava para ficar sem luva, não poderia ficar muito tempo parado. Mas tivemos muita sorte em termos climáticos, não poderia ter sido melhor.
Foi o melhor dia [climático] de toda a expedição, é uma condição muito rara aqui. Nessa região o tempo quase sempre é nublado com muito vento e com muita.
Vamos ver se nos próximos três sítios a gente consegue essa proeza. Não é uma coisa fácil, é muito detalhe, muito rápido e são coisas pequenas. Qualquer errozinho e acabou. É uma pressão muito grande.