“Faz quatro anos que a água não sobe aqui”, diz Benedito Alves da Silva, 76, o Dito Verde. Ele aponta para um pequeno barranco que separa sua casa do lugar em que recebe turistas para tocar viola de cocho, cantar e mostrar como é a vida de um pantaneiro.
Dito Verde é o único morador da RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Sesc Pantanal, a 145 km de Cuiabá, a maior área de proteção privada do país. Ele nasceu em uma casa ao lado da que mora hoje, construída quando ainda tinha 15 anos, para morar com a primeira esposa.
Quando o Sesc começou a adquirir as áreas do seu entorno para construir a reserva, no final dos anos 1990, ele pediu para ficar. Seu Dito, como é conhecido, afirma que vai morrer ali e, quem sabe, ser enterrado na mesma área onde fica o fogão a lenha.
Mas o amor pelo lugar onde nasceu não impede que ele veja as mudanças pelas quais passa o pantanal. “É mais bonito ainda quando tem água”, diz sobre o terreno em que mora, ocupado por um braço do rio Cuiabá em época de cheia.
Antigamente, lembra, nos meses de novembro e dezembro já não era possível ver a grama que cerca sua casa. No último dia 8, a reportagem o visitou parando o barco na beira do rio, a alguns metros da construção, passagem que se faz em período de seca.
No pantanal, a estação chuvosa ocorre entre os meses de outubro e abril, e a estação seca, de maio a setembro. O bioma é a principal área alagada do Brasil, caracterizada pelas inundações sazonais, que vêm diminuindo devido à mudança climática.
Na casa isolada, onde coexiste com uma família de onças pintadas, capivaras e uma nuvem de mosquitos que sempre o acompanha, Dito Verde mostra a diferença do nível da água durante as cheias, marcada em uma árvore ao longo dos anos.
Quando tinha 15 anos, ele marcou o volume da cheia para construir a casa onde nasceriam seus 13 filhos sem que ela alagasse. Para apontar a marcação, que passa da sua cabeça, precisa da ajuda de um graveto. “Nunca pegou água em casa”, diz orgulhoso.
Para mostrar a cheia do ano passado, por outro lado, ele precisa se curvar e apontar para uma marcação feita abaixo da altura do próprio joelho.
A seca fez com que, ao invés de água, quase chegasse fogo na casa construída com barro e teto de palha. Em 2020, Dito deixou no forno à lenha uma panela com três piranhas que tinha pescado ao ser resgatado por um barco do Sesc Pantanal.
O fogo chegou a cem metros de sua casa, segundo os servidores do Sesc, mas ele não queria sair. “Nunca tinha acontecido como este ano está”, disse o pantaneiro à Folha na época.
Há muitos anos, quando plantava feijão, milho, mandioca e tudo o que comia no terreno dividido com a família, chegava a abrir as áreas de cultivo com pequenas queimadas, afirma Dito, mas nunca tinha havido um incêndio.
“Queimou tudinho aqui”, recorda. No caminho de sua casa até o rio Cuiabá, ainda é possível ver árvores com folhas amarronzadas.
Para o próximo ano, o ribeirinho não demonstra muita esperança de que vá haver um período de cheia. “Não está chovendo”, constata.
A reportagem viajou a convite do 1º Encontro de Jornalismo Socioambiental do Sesc Pantanal.