Meu sonho aos vinte e poucos anos era passar a lua de mel nas Maldivas. Tem quem já tenha em mente o vestido, a igreja, a cor das flores, sem ter o pretendente. Eu não tinha nem namorado, mas o destino estava escolhido. Talvez tenha assistido demais ao “Lagoa Azul” nas sessões da tarde, um filme em que a personagem de Brooke Shields vive de um amor e de uma cabana.
Viciada em revistas sobre viagens, tinha lido sobre as Maldivas, que permaneceram desconhecidas durante décadas, até o advento dos influenciadores. Hoje, tem mais brasileiro que vai a esse arquipélago no Oceano Índico do que à Iguaba. A paisagem idílica foi soterrada por resorts de gosto duvidoso que corromperam a personalidade do lugar.
Quando vejo as fotos de turistas cheios de malas, looks, poses e drones, consigo sentir o aroma cafona de body splash daquela marca americana. Imagino os corais destruídos pelas toneladas de gel de cabelo, camadas de maquiagem e montanhas de lixo produzidos para que cada hóspede tenha uma experiência exclusiva, mas absolutamente igual, sem contato com estranhos, sem conhecer nada da cultura local. Talvez eu seja apenas ranzinza e precise descobrir o prazer que pode haver em viajar umas 20 horas para me trancar dentro de um bangalô com piscina privativa, quando posso estar no meu quarto em Copacabana e também não interagir com ninguém.
Leio que Lençóis Maranhenses desbancaram Fernando de Noronha como destino de luxo. Credo. Estive na região quando tudo ainda era só areia, há cerca de 25 anos. Uma mochila pequena, meia de dúzia de peças de roupa, um par de Havaianas. A luz acabava às 10 da noite, restava o barulho do rio Preguiças e o céu estrelado como se espera de um deserto, ainda que ele não seja assim um deserto. Agora tem beach clubs, bate-estaca, champanhe. Acho que nunca mais volto.
Claro que gosto de conforto, não sou besta. Adoro lençóis de fios egípcios, toalhas feitas com algodão acariciado por lhamas. Desde que tudo não fique com a cara pasteurizada de um restaurante do Itaim. Desde que a beleza natural e a magia de cada um desses lugares não sejam ofuscadas pelo brilho de um vestido de paetê.
Fernando de Noronha, Caraíva, Boipeba, Barra Grande do Piauí, Florianópolis: em todos esses lugares há um rastro da destruição, embora esses destinos estejam cada vez mais embalados em fachadas reluzentes.
Turismo deve ser democrático, acessível a todo tipo de bolso, mas não precisa ser predatório para mostrar que tem qualidade. Estive recentemente no Atacama, apesar de ser um dos destinos mais visitados na América do Sul, parece um pouco parado no tempo. A paisagem se impõe a qualquer tentativa de ostentação. O hotel em que me hospedei tinha uma fachada tão simples e discreta, que poderia ser uma hospedaria para mochileiros. Os bangalôs se misturavam à paisagem e o luxo só dava às caras nos detalhes. Não sei se os chilenos entenderam que o turismo deve ser mais discreto do que a natureza. O fato é que quase não vi influenciadores e celebridades, que parecem gafanhotos que arrasam a pureza dos lugares por onde passam com seus looks do dia, suas fotos posadas, suas caras de tédio. Alguém, por favor, me explica por que essa gente está sempre com a cara de que tá segurando um pum?
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