Com mais de 220 deputados, a Frente Parlamentar Evangélica vive um racha dentro da Câmara diante da possibilidade de uma maior proximidade com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a partir do ano que vem. Isso porque, nos últimos anos, o segmento parlamentar evangélico tem se alinhado à direita e defendido valores conservadores. A disputa interna fez com que parlamentares que fazem oposição ao governo petista conseguissem o adiamento da eleição para a escolha do líder da bancada para fevereiro de 2025.
A vaga de líder da bancada conta atualmente com duas candidaturas: Otoni de Paula (MDB-RJ), que tem se aproximado do governo Lula, e o deputado Gilberto Nascimento (PSD-MG), aliado dos deputados ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Tradicionalmente, a escolha do nome é feita por consenso e a expectativa era de que essa definição ocorresse nesta quarta-feira (11).
Em 2023, por exemplo, Otoni de Paula retirou seu nome da disputa e houve uma alternância entre Eli Borges (PL-TO) e Silas Câmara (Republicanos-AM). Desta vez, Otoni de Paula vinha resistindo em retirar sua candidatura e já havia sinalizado que disputaria no voto contra Gilberto Nascimento.
Para tentar postergar a definição, Nascimento e a deputada Greyce Elias (Avante-MG) apresentaram um requerimento pedindo o adiamento da eleição. O pedido acabou sendo acatado no começo da semana pelo atual presidente da Frente, deputado Silas Câmara (Republicanos -AM), e a decisão ficará para o ano que vem.
Publicamente, o deputado Gilberto Nascimento nega que o pedido de adiamento tenha ocorrido como uma forma de estratégia. “Mas achei a decisão de adiar acertada, para dar tempo de organizar a votação de forma eletrônica, que é minha sugestão”, disse o deputado.
Nos bastidores, deputados que apoiam o nome de Nascimento admitem que o adiamento é uma forma de “virar votos” dentro da bancada. Essa movimentação conta com apoio do pastor Silas Malafaia, que tem feito diversas críticas ao nome de Otoni de Paula. O pastor disse em entrevista ao jornal O Globo que primeiro Otoni era defensor intransigente de Bolsonaro e criticava o PT e agora virou defensor de Lula.
Otoni tenta minimizar os efeitos da sua aproximação com o Planalto
Alvo dos deputados da oposição, o deputado Otoni de Paula tem buscado minimizar os efeitos da sua proximidade com o governo Lula. Sua relação com o Palácio do Planalto começou a ganhar musculatura depois que ele coordenou a campanha do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), junto ao segmento religioso.
Paes é próximo do presidente Lula e foi responsável por intermediar as primeiras conversas de Otoni de Paula com o governo. O deputado fluminense esteve, por exemplo, na cerimônia do Palácio do Planalto que sancionou a lei do Dia da Música Gospel, em outubro.
“A música gospel agora tem um dia nacional de celebração. Com o deputado Otoni de Paula, sancionei o projeto que institui o dia 9 de junho como o Dia Nacional da Música Gospel, dando visibilidade ao importante papel da cultura, da religiosidade e da fé de milhões de brasileiros e brasileiras”, disse Lula na ocasião.
Desde então, Otoni de Paula passou a ser alvo de deputados que fazem oposição ao governo Lula. “Eu iria comentar a atitude patética de alguém falando em nome da igreja evangélica do Brasil, agradecendo ao Lula pela liberdade religiosa, mas deixarei o povo decidir e cabe a Deus julgar”, afirmou o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).
Apesar disso, Otoni de Paula afirma que tem votos suficientes para vencer a disputa dentro da bancada evangélica. Segundo ele, o pedido de adiamento da disputa foi uma forma de seus opositores desidratarem sua candidatura.
“Eu estou disposto a ir até o final e vão ficar inventando factóides contra o meu nome, mas eles são minoria. Querem me colocar como um novo esquerdista gospel, mas não vai adiantar”, disse Otoni de Paula.
O emedebista tem o apoio de nomes importantes da bancada, como o atual presidente, Silas Câmara, e Cezinha de Madureira (PSD-SP). Os dois são ligados à Assembleia de Deus e têm diálogo com o governo federal.
A bancada evangélica nem sempre foi grande defensora de valores conservadores, como aconteceu a partir do governo de Jair Bolsonaro. Durante os primeiros governos de Lula, representantes dos evangélicos como Otoni de Paula, Silas Câmara e Cezinha de Madureira representavam o segmento em partidos do Centrão, mas sem levantar bandeiras conservadoras.
Palácio do Planalto acompanha racha dentro da bancada evangélica
Integrantes do governo acompanham com atenção as movimentações dentro da bancada evangélica. A avaliação é de que uma eventual indicação de Otoni de Paula para a liderança do grupo poderia facilitar a interlocução com o segmento religioso.
Nesta terça-feira (10), durante discurso no plenário da Câmara, o emedebista pediu orações pela saúde de Lula. O presidente passou por uma cirurgia no começo da semana para drenar um sagramento craniano e segue internado no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
“Se Bolsonaro tivesse sofrido um acidente ou tivesse passado por algum procedimento cirúrgico, eu estaria aqui prestando a minha solidariedade. Eu fico pensando por que eu não posso fazer isso quando a situação é com o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eu posso divergir das pessoas, mas não posso desejar o mal. Esse é nosso papel enquanto igreja, portanto a nossa solidariedade ao presidente Lula”, disse Otoni de Paula.
Apesar de haver uma articulação de aproximação com o Palácio do Planalto, parlamentares da bancada evangélica temem serem prejudicados eleitoralmente por divergências com o governo em relação à pauta de costumes e posicionamentos em política externa. As críticas do presidente Lula ao Estado de Israel na guerra contra o terrorismo na Faixa de Gaza foram um exemplo citato por um parlamentar, que pediu para não ser identificado, como exemplo de perigo de uma eventual aproximação.
Outro exemplo de que os valores do conservadorismo defendido pelos evangélicos diverge das posições do governo Lula foi a repercussão de uma nota técnica feita pelo ministro da Educação, Camilo Santana, em novembro. Por meio dela, o governo incentivava o ensino sobre identidade de gênero na educação infantil nas escolas. A iniciativa do Ministério da Educação foi criticada pela bancada evangélica por meio de uma nota à imprensa.
“Questões tão sensíveis devem respeitar a liberdade das famílias de educarem seus filhos conforme seus valores, sem imposições ideológicas. Pedimos ao Ministro da Educação que reavalie essa resolução, garantindo que a escola se mantenha como um espaço de aprendizado comum, onde a formação moral e ética cabe, prioritariamente, aos pais”, disseram os parlamentares no texto.