Condenado há mais de 300 anos de prisão, o narcotraficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, que tem 57 anos e é apontado como o líder do Comando Vermelho (CV), cumpre pena no Presídio Federal de Segurança Máxima de Catanduvas (PR) e foi alvo de uma nova operação policial nesta semana.
Mesmo preso no sistema penitenciário federal há 18 anos, considerado o mais eficiente do Brasil, ele é suspeito de comandar um grande esquema de roubos de cargas no Rio de Janeiro, mais precisamente na Baixada Fluminense, para abastecer o crime organizado.
Cerca de 900 presos considerados mais perigosos do país estão em presídios federais. Eles ficam em celas individuais, não têm contatos diretos com outros presos, não recebem visitas íntimas, não têm contato físico com visitantes e advogados e têm as conversas monitoradas por parlatório ou por videoconferências.
A operação foi realizada na terça-feira (10) e focou, segundo as forças de segurança, uma quadrilha envolvida no esquema. Beira-Mar aparece como um dos líderes e sua cela foi alvo de busca e apreensão em Catanduvas.
As suspeitas são de que o narcotraficante enviava recados e determinações a membros da organização de como operar nos roubos das cargas. As suspeitas também eram que ele recebia informações do que estava acontecendo do lado de fora do presídio.
Em uma nota divulgada pelo Ministério da Justiça, a pasta afirma que os presídios federais mantêm monitoramento constante dos detentos, com trabalho integrado entre as equipes de vigilância e as ações são comunicadas ao Ministério Público e às polícias em casos de movimentações suspeitas.
“No caso em questão, as visitas familiares do detento foram suspensas após a equipe de inteligência identificar indícios de que ele utilizava parentes para transmitir informações e ordens externas”, destaca o comunicado.
A operação foi conduzida por policiais civis da 60ª DP de Campos Elíseos e agentes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público, com apoio da Polícia Militar. Agentes da Polícia Federal também participaram. O objetivo foi cumprir mandados de busca e apreensão contra outros suspeitos responsáveis por crimes que causaram prejuízos estimados em cerca de R$ 4 milhões.
A ação fez parte da segunda fase da Operação Torniquete, voltada para o combate a roubos, furtos e receptação de cargas e veículos.
Roubos de cargas financiam organizações criminosas
Segundo as forças de segurança envolvidas na operação, os crimes financiam atividades de facções criminosas, incluindo disputas territoriais e pagamentos a familiares de integrantes, presos ou não. Desde o início da operação, em setembro, mais de 240 pessoas foram detidas, além da recuperação de veículos e mercadorias roubadas, segundo informou o Ministério da Justiça.
As investigações apontam que membros da organização criminosa, com apoio de pessoas com acesso a informações privilegiadas sobre as cargas, realizaram dezenas de roubos em vias expressas na Baixada Fluminense. A organização criminosa, que opera em comunidades cariocas, contava com armamento e bloqueadores de sinais fornecidos pelo Comando Vermelho que recebia 50% dos lucros gerados pelos roubos.
Líderes do tráfico de drogas no Rio de Janeiro contribuíam, segundo as investigações, cedendo espaço nas comunidades para o descarregamento das cargas roubadas. Durante a operação desta semana, duas pessoas foram presas em flagrante pelos crimes de receptação, tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo.
A Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) também realizou vistorias em cinco unidades prisionais estaduais do Complexo de Gericinó, na zona oeste do Rio de Janeiro, com apoio das subsecretarias de Inteligência e Operacional. Nas celas de investigados, foram encontrados e apreendidos seis celulares.
O Ministério da Justiça não informou o que apreendeu na cela de Beira-Mar, mas fontes ouvidas pela reportagem afirmam que foram pegos alguns registros e documentos em papel e não houve nenhum celular ou dispositivo eletrônico em posse do detento.
Desde a implantação dos presídios federais no Brasil, em 2006, sendo o de Catanduvas o primeiro deles, nunca houve casos de apreensão de celulares nas celas ou dentro das unidades com os custodiados. Também não houve registro de motins ou rebeliões nos presídios federais, mas o sistema passou pela sua primeira grande vulnerabilização neste ano, quando foi registrada a primeira fuga da história das estruturas. Ela aconteceu em janeiro deste ano quando dois membros do Comando Vermelho conseguiram sair da unidade de Mossoró (RN). Eles foram recapturados quase dois meses depois.
Beira-Mar: o homem do narcotráfico, das fugas e das execuções
Beira-Mar surgiu à cena policial na década de 1990 após estabelecer uma rota de distribuição e tráfico de drogas, com o comando das operações em comunidades do Rio de Janeiro. Segundo condenações judiciais, se aproximou ainda naquele período do Comando Vermelho e logo se tornou o principal nome da facção, apesar de sempre ter negado seu envolvimento.
Suas primeiras condenações por tráfico foram nos anos 1990, mas ele ficou foragido da justiça até 1996 quando foi preso em Belho Horizonte com cocaína. Ficou um ano atrás das grades e fugiu em 1997. Na época ainda não existiam os presídios federais.
Por seis anos revezou suas residências em fuga pelos países da América do Sul e se aproximou das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs), segundo o Ministério Público Federal. Dali surgiu uma parceria no fornecimento de armas, facilitação ao tráfico de drogas dos países produtores de cocaína e aprendizagem de técnicas de guerrilha. Em 2001 foi capturado por uma força-tarefa em uma área de selva na Colômbia e transferido para o Brasil quando já acumulava mais de 150 anos de condenações envolvendo tráfico de drogas, armas e execuções.
A história de Beira-Mar se confunde, em partes, com a do Presídio Federal de Catanduvas. Ele inaugurou a estrutura, sendo o preso 001 a ingressar na unidade, inaugurada em março de 2006.
Os presídios federais têm como um dos objetivos isolar líderes das maiores facções brasileiras das suas linhas de comando e evitar que, mesmo presos, sigam determinando ou gerenciando os negócios criminosos. Beira-Mar tem revezado transferências entre as demais unidades, além de Catanduvas. Em média, um detento no sistema federal fica cerca de dois anos em cada unidade.
No sistema federal, Beira-Mar aproveitou o tempo livre para estudar. Além de seguir comandando ações criminosas, fez um curso superior de dentro do presídio. Há dois anos o narcotraficante se formou em Teologia.