O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisou ser submetido a uma cirurgia às pressas por causa de uma hemorragia intracraniana.
Segundo o boletim médico divulgado pelo Hospital Sírio-Libanês, onde o procedimento foi realizado, Lula se queixou de dores de cabeça na noite de segunda-feira (9/12).
Ao passar por uma ressonância magnética em Brasília, os médicos diagnosticaram a hemorragia intracraniana relacionada ao acidente domiciliar que o presidente sofreu há pouco mais de um mês, no dia 19 de outubro.
Segundo as informações divulgadas à época, Lula escorregou no banheiro e bateu a parte de trás da cabeça —nos dias que se seguiram ao ocorrido, era possível notar alguns pontos e um machucado na região da nuca do presidente.
Após o diagnóstico do quadro na segunda-feira, Lula foi transferido para São Paulo, onde passou por uma “craniotomia para drenar o hematoma”.
“A cirurgia transcorreu sem intercorrências. No momento, o presidente encontra-se bem, sob monitorização em leito de UTI [Unidade de Terapia Intensiva]”, detalha o boletim médico do Sírio-Libanês.
Entenda a seguir o que é uma hemorragia intracraniana e como profissionais de saúde costumam lidar com casos do tipo.
O que é hemorragia intracraniana
Como o próprio nome sugere, a hemorragia intracraniana é marcada por um sangramento que ocorre na parte de dentro do crânio.
“Trata-se de um sangramento dentro da caixa craniana, o osso da cabeça”, resume a neurologista Sheila Martins, professora da Faculdade de Medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Isso pode se desenrolar em algumas das estruturas que estão abaixo dos ossos da cabeça, como o cérebro ou as camadas que revestem as estruturas do sistema nervoso —conhecidas como meninges.
Um artigo assinado por especialistas do Centro Médico da Universidade do Nebraska, nos Estados Unidos, divide esse quadro em quatro subtipos, de acordo com o local em que ele acontece.
Segundo eles, a hemorragia pode ser epidural (entre o crânio e a dura mater, uma das membranas protetoras do sistema nervoso), subdural (abaixo da dura mater), subaracnoide (abaixo da membrana aracnoide) e intraparenquimal (nas próprias estruturas do cérebro).
Ainda não está claro qual dos tipos foi diagnosticado em Lula —os médicos prometem detalhar o caso numa entrevista coletiva nesta terça-feira (10/12).
“Pelas características do caso e as informações disponíveis, o mais provável é que o presidente esteja com uma hemorragia subdural”, avalia Martins, que também é chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Nesse caso, o acúmulo de sangue acontece na superfície do cérebro, no espaço que existe entre o órgão e aquelas camadas que protegem o sistema nervoso.
Segundo o texto da Universidade do Nebraska, casos de hemorragia intracraniana exigem “avaliação neurocirúrgica imediata”, algo que aconteceu com o presidente brasileiro.
Já a Clínica Mayo, também dos EUA, destaca que a hemorragia intracriana é marcada “por um acúmulo de sangue no crânio” e isso pode gerar uma espécie de pressão no cérebro.
“As causas mais comuns são rompimentos de vasos sanguíneos, mas o quadro também pode ser causado por pancadas na cabeça após quedas ou acidentes automobilísticos”, informa o texto.
Mas como um acidente ocorrido com Lula em outubro pode ter causado um efeito só agora, em dezembro?
Martins explica que uma batida na cabeça, como a sofrida pelo presidente há dois meses, pode romper pequenas veias, responsáveis por retirar o sangue pobre em nutrientes e oxigênio do cérebro e levá-lo em direção aos pulmões e ao coração.
“Muitas vezes, após uma batida na cabeça, o tratamento é conservador e envolve apenas observar o paciente”, diz a médica, que também é presidente da Rede Brasil AVC.
“Mas esses pequenos vasinhos rompidos podem ficar porejando sangue ali, que aos poucos se acumula e forma um hematoma”, responde a especialista.
Isso não acontece com todo mundo que passou por uma situação parecida — em alguns indivíduos, esse hematoma inicial desaparece naturalmente; em outros, ele cresce e passa a incomodar.
O problema é que, aos poucos, esse sangue acumulado começa a pressionar o cérebro.
“A depender de onde a hemorragia ocorre, o paciente pode apresentar dificuldade para falar, dormência e até entrar em coma”, diz Martins.
A neurologista destaca como quadros como esse são comuns após pancadas na cabeça.
“É algo muito frequente em acidentes de trânsito. Também trata-se de uma das lesões mais corriqueiras nos acidentes domésticos“, aponta ela.
“Muitas vezes, o paciente nem vai ao hospital após a batida. Ele só busca um médico meses depois, porque nota que ficou mais esquecido, apresenta fraqueza num lado do corpo ou dor de cabeça.”
“Muitas vezes, a pessoa nem se lembra que chocou a cabeça. E olha que nem precisa ser um trauma importante para ver isso acontecer: às vezes, até uma batida mais leve gera uma hemorragia intracraniana”, destaca ela.
Sintomas de hemorragia intracraniana
A Clínica Mayo explica que os principais sinais de hemorragia intracraniana são:
- Dor de cabeça progressiva;
- Vômito;
- Mal-estar e perda de consciência;
- Tontura e vertigem;
- Confusão mental;
- Pupilas dos olhos de diferentes tamanhos;
- Dificuldade para falar;
- Perda de movimento e paralisia.
Pelas informações divulgadas até o momento, Lula queixou-se de dor de cabeça —e esse foi o motivo para os médicos pedirem exames de imagem, como a ressonância magnética.
“Uma hemorragia intracraniana pode ser fatal e necessita de tratamento de emergência”, alerta a Clínica Mayo.
Martins orienta que todo mundo que bateu a cabeça e apresenta incômodos como dor de cabeça, vômitos, perda de consciência e falta de força em um lado do corpo procure um pronto-socorro.
“Indivíduos que tomam remédios da classe dos anticoagulantes precisam ter uma atenção ainda maior, pois têm um risco mais alto de sofrer uma hemorragia”, diz ela.
Os tratamentos da hemorragia intracraniana
A forma de lidar com o quadro depende da extensão e da gravidade dele.
A Clínica Mayo diz que hemorragias pequenas, que não produzem muitos sintomas, não precisam de intervenção imediata.
“No entanto, os sintomas podem aparecer ou piorar dias ou semanas após o acidente”, alerta a entidade.
Isso, aliás, foi o que aconteceu com Lula. O presidente sofreu o acidente em outubro e foi queixar-se de dor de cabeça quase dois meses depois, em dezembro.
Quando a hemorragia é maior ou está pressionando o cérebro, os médicos costumam partir para a cirurgia.
Há dois tipos principais de procedimento aqui.
O primeiro é a drenagem cirúrgica. “Se o sangue está concentrado numa área e mudou de um coágulo sólido para um líquido, é possível fazer um pequeno buraco no crânio e fazer uma sucção”, resume a Clínica Mayo.
Há também a possibilidade de remover parte da calota craniana para retirar o sangue acumulado. Essa opção, conhecida como craniotomia, foi a escolhida para tratar Lula.
“A cirurgia envolve abrir um pedaço do osso e aquela capinha protetora que está em volta do cérebro para aspirar o coágulo”, resume Martins
Segundo o boletim médico, vale lembrar, “a cirurgia transcorreu sem intercorrências”.
Martins diz que, após os procedimentos cirúrgicos, os pacientes costumam ter uma recuperação “ótima”.
“O resultado costuma ser excelente e a pessoa fica 100%”, aponta a médica.
A neurologista pondera que, em muitos casos, é necessário fazer alguns exames complementares no pós-cirúrgico para checar se os vasos que se romperam continuam a gotejar sangue dentro do crânio.
Se isso estiver acontecendo, uma nova hemorragia pode aparecer depois de algum tempo.
“Para lidar com essa situação, pode ser necessário realizar um novo tratamento por cateterismo para fechar esses vasinhos”, pontua Martins.
O cateterismo é um procedimento minimamente invasivo que envolve inserir cateteres por vasos sanguíneos.
Com auxílio de exames de imagem, esses fios são guiados até o local onde está ocorrendo o vazamento, para interromper de vez a perda de sangue.
O texto foi publicado originalmente aqui.