Um empreendimento certificado para oferta de créditos de biodiversidade na amazônia foi autuado por desmatamento ilegal na mesma fazenda destinada à geração dos créditos, em Borba, leste do Amazonas, região do rio Madeira.
O Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), órgão do governo estadual, multou por duas vezes em 2023 a M.I. Incorporadora, do empresário Moacir Crocetta Batista. A empresa está sediada em Vilhena (RO).
As multas somam R$ 213 mil e, além dos autos de infração, houve embargos de duas áreas onde teria havido desmatamento sem autorização para “pastagens e benfeitorias para pecuária”.
O local da infração ambiental, conforme o Ipaam, é a Fazenda Cabaça 1 e 2. É o mesmo imóvel rural onde houve certificação para geração de 544.867 créditos de biodiversidade, conforme informação disponível em plataforma do Instituto Life, que atua no desenvolvimento de normas de certificação e no credenciamento de certificadores.
“A Fazenda Cabaça 1 e 2 foi alvo de invasão por grileiros, que realizaram desmatamento ilegal”, disse o empreendimento de Crocetta, em nota. “O proprietário denunciou os fatos ao Ipaam e ao Ibama e protocolou ação de reintegração de posse, que resultou em decisão judicial favorável.”
Segundo o empresário, as autuações feitas pelo Ipaam são “descabidas” e estão sendo contestadas na esfera administrativa.
Sobre as multas aplicadas pelo Ibama, a origem foi um “erro” na consulta à base de dados, afirmou o empreendimento. Houve contestação judicial e decisões liminares da Justiça que suspendem os efeitos das multas e dos embargos, disse na nota. “As áreas desmatadas por grileiros estão sendo restauradas, reforçando o compromisso ambiental da empresa e do senhor Moacir.”
Créditos de biodiversidade são o novo filão na área de monetização da conservação ambiental. São muito semelhantes aos créditos de carbono, mas remunera-se a garantia da biodiversidade, não a retenção de carbono.
Esses créditos não são regulamentados, e a discussão ainda engatinha, como a feita na COP16, a conferência de biodiversidade da ONU (Organização das Nações Unidas) realizada em outubro e novembro em Cali, na Colômbia.
Mesmo assim, há empresas no Brasil atuando na certificação de créditos, assim como já existe uma plataforma com divulgação desses créditos.
A M.I. Incorporadora é responsável por um dos sete projetos na amazônia certificados e disponibilizados em plataforma do Instituto Life.
“A Fazenda Cabaça 1 e 2 abrange uma extensão de 82.809,73 hectares. Destaca-se pela preservação de 100% de sua cobertura florestal nativa”, afirma o instituto.
A certificação foi feita pela Neocert. Conforme informações divulgadas pela empresa, o código de certificação é de 2024, com data de validade até 2029.
Após questionamentos feitos pela Folha, o Instituto Life e a Neocert afirmaram que a certificação à M.I. Incorporadora foi suspensa para investigação e reanálise.
Além das multas e embargos aplicados pelo Ipaam, Crocetta foi multado em 2022 pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), no valor de R$ 130 mil. Conforme o órgão ambiental, a infração teria ocorrido na região de Humaitá (AM), outra cidade que fica na margem do rio Madeira.
Houve ainda embargo da área pelo Ibama, como consta em ação de Crocetta na Justiça contra a autuação aplicada por degradação de área de floresta na Fazenda Santa Rita, com “uso de equipamentos semimecanizados e incêndio da vegetação sem aproveitamento do material lenhoso”.
Outra empresa de Crocetta, a Incorporadora Imobiliária Porto Velho, também sediada em Vilhena (RO), foi multada duas vezes pelo Ibama em 2022, no valor de R$ 130 mil. Conforme os dados públicos do sistema do órgão, uma das multas foi aplicada por destruição de floresta sem autorização, na região de Humaitá (AM).
Ao todo, as cinco multas aplicadas a M.I., Crocetta e Incorporadora Porto Velho somam R$ 473 mil.
O MPF (Ministério Público Federal) em Rondônia ingressou com ações penal e de improbidade administrativa na Justiça, com acusação de falsidade ideológica e pedido de ressarcimento ao erário, em razão de transações de imóveis públicos “artificialmente subfaturados” em Vilhena, dados em troca de um imóvel particular “superfaturado”. Este imóvel pertenceria a Crocetta, segundo o MPF.
O empresário foi denunciado pelo MPF. No caso da ação penal, houve extinção de punibilidade por prescrição, segundo a nota enviada à reportagem. A ação de improbidade resultou em condenação a pagamento de multa de R$ 70 mil, e o empresário recorre contra a decisão. “Apesar das suspeitas iniciais, as irregularidades foram corrigidas sem danos financeiros às partes envolvidas.”
Uma terceira empresa de Crocetta, a Batisflor Florestal, foi objeto de averiguação pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em razão da suposta venda de uma fazenda de 190,2 mil hectares, no Amazonas e no Acre. A suspeita era de irregularidades em venda a um comprador estrangeiro, o que demandaria autorização do Congresso.
Segundo o empresário, não houve irregularidades. Um parecer do Incra, de julho de 2024, afirma que empresa estrangeira adquiriu 49% das ações da Batisflor e que Crocetta “segue controlando o negócio com 51% das ações e exercendo as tomadas de decisões”.
“Hoje, o senhor Moacir, por meio da empresa Batisflor, atua no manejo florestal sustentado, contribuindo com a conservação de 186 mil hectares de floresta nativa na amazônia”, afirmou a assessoria do empresário. “Em relação ao crédito de biodiversidade, ele identificou oportunidade estratégica em soluções baseadas na natureza.”
O Instituto Life disse, em nota, que é um organismo normalizador e não atua nas auditorias, feitas por empresas credenciadas pelo instituto. Após deflagração da operação Greenwashing em junho, pela PF (Polícia Federal), que identificou um suposto esquema de créditos de carbono na amazônia no valor de R$ 180 milhões, o instituto adotou “regras adicionais de checagem”, afirmou.
“A comercialização dos créditos de biodiversidade somente pode ocorrer após a emissão, pelo instituto, do documento de titularidade dos créditos”, cita a nota. “Até o momento, o Instituto Life não emitiu nenhum documento de titularidade de créditos de biodiversidade, necessário à comercialização no mercado voluntário.”
Nenhuma empresa comercializou créditos até então, segundo a organização.
A Neocert, que fez a certificação dos créditos da M.I. Incorporadora, afirmou seguir critérios técnicos e objetivos, definidos pelo padrão Life. “Foram levantadas evidências que respaldaram a conformidade da área certificada.”