Na esteira da letalidade policial no estado de São Paulo que deixa um rastro de mortos e famílias destruídas, há também quem seja atingido pelas balas, mas que consiga sobreviver. Os feridos por policiais militares também engrossam uma lista de violência que só cresce na gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Entre janeiro a setembro deste ano 231 pessoas ficaram feridas em supostos confrontos com policiais militares em serviço ante 175 em 2023 (alta de 32%). A situação atual derrubou uma dinâmica de queda ao longo dos últimos anos, que teve início antes da pandemia de Covid-19.
O levantamento da Folha tem como base dados publicados no site da SSP (Secretaria da Segurança Pública) obtidos pela pasta junto à Corregedoria da Polícia Militar. A alta de homicídios no período foi de 82%, considerando os PMs em serviço.
Em nota, a SSP disse que as forças de segurança continuam atuando sob o absoluto rigor da lei e o respeito aos direitos humanos. “As polícias do estado não compactuam com desvios de conduta de seus agentes, punindo exemplarmente àqueles que infringem a lei e desobedecem aos estritos protocolos estabelecidos pelas instituições”. Conforme a pasta, desde janeiro passado mais de 280 policiais foram demitidos e expulsos, enquanto um total de 414 agentes foram presos.
Um dos casos de feridos durante ações da PM ocorreu em abril deste ano. Morador da favela Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, um menino então com sete anos seguia com a mãe para a escola, quando se viu em meio a uma suposta troca de tiros. Atingido por algo no olho (a perícia não soube precisar por qual objeto), ele ficou cego. A informação foi dada pelo advogado da família, André Lozano.
Entre as pessoas que guardam sequelas está o motoboy Evandro Alves da Silva, 44, atingido por tiros de espingarda calibre 12 disparados por policiais militares durante a Operação Escudo, em Santos, no litoral paulista, em agosto do ano passado. Silva passou a ter ataques de pânico.
Para especialistas, as falas do governador e do comandante-geral da PM, coronel Cassio Araújo de Freitas têm o poder de inflamar a tropa. Em julho do ano passado, Cassio gravou um vídeo em que pedia para os PMs não hesitar em ocorrências e em usar a legítima defesa a seu favor.
A fala ocorreu dias depois de dois policiais militares serem baleados durante uma abordagem em São Mateus, na zona leste da capital.
“Sem dúvida as mensagens que os líderes transmitem são ouvidas pelos policiais, que passam a agir de acordo com essas indicações. Essa postura funciona como mecanismo de reforço para esses policiais, que passam a se sentir autorizados a ações que não estão nos manuais de procedimento da PM”, disse o pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Leonardo Carvalho.
“Não há troca de tiros nem bala perdida quando apenas um lado atira, precisamos que nossas autoridades assumam suas responsabilidades institucionais e cessem de uma vez por todas essas anomalias produzidas na segurança pública nos últimos tempos”, disse o ouvidor da polícia, Claudio Aparecido Silva, o Claudinho.
Na outra ponta, o número de policiais militares feridos durante o serviço arrefeceu nos últimos anos, atingindo o menor patamar desde 2018 em 2024. Entre janeiro a setembro foram 24 ocorrências no estado contra 53 em igual período passado.
De acordo com a SSP, “todos os casos de confrontos, incluindo as ocorrências de morte e lesão corporal em decorrência de intervenção policial, são rigorosamente investigados”.
INQUÉRITOS DE LESÕES GRAVES CRESCEU QUASE 7 VEZES
Além dos indicadores que mostram aumento de feridos em confronto, cresceram também os inquéritos policiais militares (IPMs) que chegam ao Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, órgão do Judiciário paulista sem vínculo com a PM ou com a Justiça Militar da União.
Neste ano, até 5 de dezembro, foram abertos 111 IPMs de lesões graves, alta de 693% em relação ao mesmo período de 2023 (14) —em 2022, foram 17.
Esse tipo de crime se diferencia da lesão leve por representar perigo de vida, dano permanente ou a perda ou inutilização de membro e incapacidade para o trabalho, entre outros fatores.
Já os inquéritos de tortura foram 11 em 2023 e 13 neste ano, até a última segunda-feira (9), ante 5 procedimentos em 2022 e 6 em 2021.
Com exceção dos crimes de homicídio, remetidos à Justiça comum, os outros crimes, que incluem também a violência arbitrária, quando ela é praticada no exercício da função ou a pretexto disso, são julgados pela Justiça Militar.
Para Carolina Diniz, coordenadora de enfrentamento à violência institucional da Conectas Direitos Humanos, a própria apuração deveria ser independente das polícias nos casos que envolvem seus agentes.
“Mais uma vez se coloca que a gente precisa garantir a fiscalização independente dos crimes praticados pelo Estado. Não dá para o estado, para a polícia, investigar a própria polícia. O Ministério Público precisa assumir esse papel e instaurar procedimentos de investigação autônomos e ampliar seus quadros de perícia técnica também para garantir uma perícia de acordo com protocolos internacionais.”
A SSP afirmou que as apurações das polícias Civil e Militar são acompanhadas pelas corregedorias dos órgãos, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.