O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, afirmou que a decisão da Corte sobre a responsabilidade das redes sociais, no julgamento sobre o Marco Civil da Internet, será provisória. Valerá, afirmou o ministro, até o momento em que o Congresso legislar sobre o tema, com uma regra que prevalecerá sobre a decisão do STF.
“O Supremo vai traçar provisoriamente – porque quando o Congresso legislar, vai prevalecer o que Congresso decidir – qual é o tipo de comportamento que deve gerar responsabilidade das plataformas e qual é o tipo de comportamento que deve ser protegido pela liberdade de expressão”, disse Barroso à Gazeta do Povo, em entrevista concedida à imprensa nesta segunda-feira (9).
Barroso evita comentar voto de Toffoli
Desde a semana passada, quando o STF começou a julgar a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet – que imuniza as plataformas digitais pelo conteúdo publicado por seus usuários –, entidades do setor, formadores de opinião, veículos de imprensa e especialistas no tema têm criticado o voto do relator, Dias Toffoli, que propôs uma série de novas regras, que não existem na legislação, para substituir o regime de responsabilidade da lei de 2014.
A maior preocupação do modelo proposto por Toffoli é a probabilidade de incentivar uma censura em massa dos conteúdos dos usuários pelas próprias plataformas, uma vez que passarão a ser responsáveis, perante a Justiça, pela mera disponibilização de postagens que possam caracterizar crimes contra a democracia ou “fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” sobre candidatos nas eleições.
Para eliminar o risco de serem punidas, a tendência é que removam, por iniciativa própria, qualquer material polêmico, controverso e crítico às autoridades, políticos e órgãos públicos. No final de seu voto, Toffoli incluiu um “apelo ao Legislativo” pela criação de uma nova lei sobre a responsabilidade das redes, especialmente para impedir a propagação de fraudes online.
Barroso foi indagado se está preocupado com as consequências do voto de Toffoli, caso sua proposta prevaleça entre a maioria dos ministros, quase todos interessados num controle mais rigoroso do que circula nas redes, especialmente pelo crescimento de “ataques” ao STF.
Ele disse que não iria comentar o voto de Toffoli, nem antecipar seu voto – ele será o último a votar no julgamento, que será retomado nesta quarta (11), com o voto de Luiz Fux, relator de outra ação sobre o tema.
“Você perguntou se eu estou preocupado… O mundo está preocupado em encontrar um ponto adequado, a linha que representa preservar a liberdade de expressão e protegê-la num mundo em que ela corre risco”, disse o ministro. Para ele, se a internet ampliou o acesso dos cidadãos comuns à informação, ao conhecimento e ao espaço público, também abriu portas para a desinformação, o discurso de ódio, ataques à democracia e teorias conspiratórias.
“De modo que o mundo está procurando traçar o ponto exato, de separação, do que é permitido, o que é assegurar a liberdade de expressão e o que é impedir que o mundo desabe numa abismo de incivilidade e de desinformação e de ódio, que comprometa a própria liberdade de expressão. Não é fácil”, disse o ministro na entrevista.
“A revolução tecnológica, a internet e as plataformas digitais criaram um novo espaço público. Antigamente, para alguém de chegar ao espaço público, precisava se valer dos meios de comunicação tradicionais: televisão, rádio ou imprensa. A chegada ao espaço público passava por um controle editorial mínimo, de acordo com a ética e a técnica jornalística. O que as plataformas digitais, as redes sociais passaram a permitir, foi a chegada ao espaço público sem nenhum tipo de filtro”, observou Barroso em sua resposta.
Barroso esperou terminar o período eleitoral para pautar o julgamento
No início do julgamento, na semana passada, ele disse que pautou o assunto diante do impasse, no Congresso, sobre o Projeto de Lei 2630/2020, também conhecido como PL das Fake News ou PL da Censura. Aprovado no Senado, travou na Câmara por falta de apoio, sobretudo pelo temor de que também favorecesse a censura ao impor às redes um “dever de cuidado” – obrigação das redes monitorarem e removerem conteúdo criminoso.
“O que eu observaria, em defesa do Supremo, é que o Supremo não pode, diante de um caso que chegue a ele como recurso ou por ação direta, dizer ‘não vou julgar esse caso porque não tem lei’, ou ‘não vou julgar esse caso porque ele é muito difícil’, ou ‘não vou julgar esse caso porque alguém vai ficar desagradado com a minha decisão’. A matéria chegou ao Supremo há algum tempo, e o Supremo esperou para ver se o Congresso conseguia produzir um consenso nessa matéria. Como o Congresso não conseguiu até agora, os casos precisam ser julgados. Eu esperei passar o período eleitoral para não ter uma decisão complexa no meio do processo eleitoral. Mas agora chegou o momento de se julgar essa questão”, afirmou.
Os recursos julgados pelo STF – apresentados por Facebook e Google – contestam decisões da segunda instância da Justiça que afastaram a aplicação do artigo 19 do Marco Civil da Internet e condenaram as empresas a pagar indenizações a mulheres que foram ofendidas nas plataformas.
As empresas retiraram do ar o conteúdo ofensivo somente após decisão judicial, como prevê o Marco Civil da Internet, mas foram cobradas a pagar indenização pelo tempo que deixaram o material disponível antes da ordem judicial de remoção, mesmo notificadas diretamente pelas mulheres com um pedido de retirada.
De acordo com o Marco Civil da Internet, elas não poderiam ser punidas por isso. Para vários ministros, a notificação extrajudicial deveria ser suficiente para responsabilizá-las, o que flexibilizaria a regra do artigo 19.