Estudos de laboratório são muitas vezes criticados por produzir resultados “artificiais”, que pouco se aplicam ao mundo real. Estudos de campo —geralmente observacionais— apanham pelo frouxo controle das condições experimentais, o que dificulta estabelecer relações causais. Este é o cobertor curto do cientista: ganha-se em aplicação, perde-se em rigor.
Ocasionalmente, eventos alheios à vontade do cientista podem moldar o ambiente de forma a criar condições ideais para investigar efeitos que seriam ética, logística ou financeiramente inviáveis em experimentos controlados.
O acidente nuclear de Chernobyl permitiu aprofundar o conhecimento sobre os riscos de exposição à radiação e, desse modo, aprimorar regulamentos nucleares globais. A pandemia da Covid expandiu o que sabemos sobre os impactos do isolamento social na saúde mental, aprendizagem infantil, relações de trabalho e hábitos de vida. Esses avanços foram possíveis graças a experimentos naturais —tipo de estudo que oferece ao cientista chance ímpar de investigar relações de causalidade em contextos da vida real.
Diante da escassez vivida após a Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido manteve um racionamento alimentar rigoroso, que incluiu o açúcar. As restrições foram removidas em 1953. Em posse de um amplo biobanco de dados (UK Biobank), cientistas sagazes viram nesse cenário a oportunidade de conduzir um experimento natural, a fim de explorar os efeitos da restrição ao consumo de açúcar nos primeiros mil dias de vida (da concepção até os 2 anos de idade) sobre o risco de doenças crônicas na idade adulta.
Durante o racionamento, o consumo de açúcar estava alinhado com as diretrizes modernas (<40 g/dia para adultos e <15 g/dia para crianças). Com o fim do racionamento, a ingestão diária praticamente dobrou (41 g para 80 g). Bastou aos cientistas comparar expostos e não expostos à restrição do nutriente.
Os pesquisadores encontraram que o racionamento de açúcar reduziu o risco de diabetes do tipo 2 em 35% e hipertensão em 20%, e retardou o início dessas doenças em 4 e 2 anos, respectivamente. A proteção foi maior quando as restrições se estenderam além dos 6 meses de idade, que coincide com a introdução de alimentos sólidos. A exposição intrauterina, por si só, contribuiu para um terço da redução do risco das doenças, enquanto que a restrição prolongada pós-natal foi mais impactante, especialmente no primeiro ano de vida.
Há tempos, especula-se que a restrição ao açúcar poderia programar favoravelmente o metabolismo durante o desenvolvimento intrauterino. A restrição pós-natal, por sua vez, poderia reduzir a preferência ao sabor doce, limitando o consumo excessivo ao longo da vida. Os novos achados fortalecem essas hipóteses.
A janela de desenvolvimento dos mil dias é crucial para a saúde. Evidências sugerem que uma dieta inadequada durante essa fase pode predispor indivíduos a doenças metabólicas. O novo estudo corrobora a adoção de limites rigorosos de açúcar na dieta infantil, em conformidade com as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), e reacende a discussão sobre aumento de taxação e aperto da regulamentação de marketing de produtos adoçados para crianças.
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