É correto tratar Deus como vantagem competitiva? Faço essa pergunta porque, após a merecida conquista da Copa Libertadores da América pelo Botafogo, um vídeo de um culto dos jogadores evangélicos do clube, gravado em 2023, voltou a circular na internet. A postagem sugeria uma relação entre a fé dos atletas e o título do clube carioca. “Botafogo, Deus sabe daquilo que ninguém sabe. Parabéns por, acima de tudo, Deus ser prioridade”, dizia a legenda.
No vídeo, jogadores como Marlon Freitas e Júnior Santos —respectivamente, capitão do time e artilheiro da Libertadores— cantavam louvores e faziam orações. Junto a outros atletas, eram conduzidos pelo cantor gospel Paulo Sérgio. A publicação foi feita no perfil do músico no Instagram e alcançou quase 2 milhões de visualizações. Entre os mais de 3.000 comentários, muitos afirmavam que Deus foi a razão da conquista.
“Por isso foram campeões; porque colocaram o general de guerra à frente da batalha”, dizia um comentário. Outro, mencionando a expulsão de Gregore no primeiro minuto da partida, afirmava: “só parecia que o Botafogo jogou com um a menos. Na verdade, ele jogou com três a mais” (uma forma de sugerir que Pai, Filho e Espírito Santo auxiliavam o time na partida). Mesmo sendo pastor, tenho dificuldade com esse tipo de raciocínio. O Botafogo venceu porque os jogadores são cristãos e Deus quis favorecer o lado dele? E a preparação, não houve mérito da equipe na vitória? E o Atlético Mineiro, não tinha cristãos jogando do outro lado então Deus não abençoou o time?
A visão de Deus como vantagem competitiva parte de uma lógica utilitarista, que reduz a experiência da fé a uma troca: o fiel cultua, e Deus concede vitórias. Esse tipo de pensamento, entretanto, não encontra sustentação teológica na Bíblia. Veja-se a história do apóstolo Paulo, que enfrentou prisões e naufrágios, mas afirmou em uma de suas cartas: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4.13). Seu brado não foi um grito de vitória, mas a expressão de confiança em Deus, independentemente das circunstâncias.
Nos Jogos de Paris, alguns atletas evangélicos mencionaram Deus ao falar de suas derrotas. Um exemplo foi a ginasta Victória Borges, que se lesionou minutos antes da apresentação da equipe brasileira, comprometendo o desempenho do time. Após a apresentação, a capitã declarou: “Acreditamos muito nos propósitos de Deus, oramos muito, trabalhamos muito. Neste momento, só queremos agradecer. Muito orgulho da nossa equipe.”
Outro exemplo, durante a Olimpíada, foi a disputa pelo bronze no judô feminino. Quando a italiana Odete Giufrida perdeu para a brasileira Larissa Pimenta, não viu a derrota como um abandono divino, mas encorajou a adversária a expressar sua fé naquele momento.
Esses casos reforçam que, para os cristãos, a religiosidade não é um meio de obter vitórias, mas uma vivência que atravessa a vida, independentemente dos resultados. Condicionar a fé a desfechos positivos impede as pessoas de aprenderem com os insucessos, como o valor da perseverança e da resiliência. Isso vale para qualquer contexto: esportes, trabalho ou relacionamentos.
Respeito a liberdade de expressar a fé, inclusive em espaços públicos. A espiritualidade é uma dimensão importante da vida para muitos e deve ser vivida com autenticidade. Preocupa-me, no entanto, quando moldam Deus como uma fórmula para o sucesso. Isso empobrece o entendimento religioso, gera expectativas irreais e pode levar à frustração, especialmente quando as coisas não saem como esperado.
Entenderam errado. O Botafogo venceu porque mereceu. Deus não é vantagem competitiva.