Uma vez que se ganha algum grau de consciência da injustiça entre homens e mulheres, assim como a pasta fora do tubo, não há como voltar a ignorar as microviolências diárias que saltam aos olhos e ouvidos.
A constante desqualificação das mulheres, embora não seja comparável ao feminicídio e ao estupro, tampouco deixa de cumprir sua função de tentar diminuí-las. E, se relevamos grande parte delas, é menos porque não as reconhecemos e mais para poder sustentar algum convívio entre os sexos, enquanto damos passos de micróbio em direção à justiça.
O objetivo é que, em algum momento da história da humanidade, as diferenças de cor, raça, classe e gênero não sejam variáveis determinantes nas posições de subalternização entre nós, sendo apenas diferenças observáveis e nada mais. Estando anos-luz da justiça almejada, somos obrigadas a aceitar a dose diária de arbitrariedades ao mesmo tempo em que tentamos fincar o pé no que foi conquistado até aqui e lutamos arduamente por avanços.
E, para quem adora dizer que estamos sempre evoluindo, lembraria o retrocesso no direito das mulheres de arbitrarem sobre o próprio corpo que as leis antiaborto, aqui e nos EUA, nos impuseram —pauta que faz parte da agenda das feministas anarquistas brasileiras desde os anos 1920.
As forças que lutam para manter o sexo feminino submetido nas esferas reprodutiva, sexual e do trabalho rezam para o Talibã sem jamais admiti-lo. Regime no qual mulheres têm menos liberdade do que as escravizadas tiveram durante a expansão colonial.
Durma-se imaginando o que será viver sob o jugo de homens que podem fazer tudo o que desejarem com suas mães, esposas e filhas sem ter que responder por isso. Durma-se pensando na maternidade imposta pelo Estado às crianças brasileiras estupradas.
Equalizar essas relações implica revelar distorções na percepção de valor dos sexos, o que aponta forçosamente para o reconhecimento de qualidades e para a assunção dos limites de ambos. Assim, teremos a óbvia constatação de que mulheres podem ser tão inteligentes, líderes, assertivas, atléticas, sexualizadas e aventureiras quanto os homens podem ser cuidadores, emotivos, humildes, abnegados, paternais e ter compaixão.
Aqui estamos na esfera das qualidades que, somadas, só têm a enriquecer a experiência de ambos, na condição de não serem tolhidas por estereótipos de gênero como “homem não chora” e outras babaquices de igual quilate.
Do lado da perda, temos a deflação do ego masculino, construído sobre uma falsa imagem que ameaça ruir a qualquer momento. Diante do risco de ser desmascarado, resta a escolha de assumir-se menor do que o imaginado ou de dobrar a aposta na agressividade.
É curioso que a dita síndrome de impostora seja tão comum entre as mulheres quando, de fato, a impostura sempre esteve do lado dos homens, alçados historicamente à posição de naturalmente superiores.
O homem diminuído não é inferior à mulher, mas alguém dentro dos seus limites reais, e a mulher enaltecida, por sua vez, diz respeito a uma reparação histórica.
Aguentem firmes o tranco dessa deflação necessária, homens, provando com isso que são, de fato, dignos de algum valor.
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