“Orem por nós, orem por nós!”. Esse é o pedido do brasileiro Daniel Bressan, que segue exilado na Argentina desde que um laudo comparativo de imagens citando sua orelha foi usado de forma equivocada para incriminá-lo pelos atos do 8 de janeiro. O paranaense é um dos mais de 350 brasileiros envolvidos com o 8/1 que seguiram para o país vizinho. Ele e outros exilados vivem em fuga e enfrentam extrema dificuldade financeira. “É como uma situação de guerra”, diz.
Segundo Bressan, os primeiros meses no país vizinho do Brasil foram tranquilos. “Consegui documento de permanência provisória e estava trabalhando”, relata. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) encaminhou ao governo de Javier Milei uma lista de pedidos de extradição com nomes de envolvidos no 8/1, e a Justiça argentina começou a emitir pedidos de prisão contra os exilados.
“Agora todos estão com medo porque não sabemos quem está nessa lista”, afirma o rapaz de 38 anos, que já se mudou duas vezes desde os primeiros relatos de prisões e segue escondido. “Só saímos para comprar o essencial, e voltamos”, conta.
O corretor Gilberto Ackermann, que morava em Balneário Camboriú, também vive o drama da perseguição. Casado e pai de duas crianças, o homem de 50 anos está acampado, no meio do mato. “Sinto como se estivesse sendo cassado, acuado”, lamenta, em entrevista à Gazeta do Povo.
Mesmo com aluguel pago, ele e outros dois exilados que dividiam residência na Argentina preferiram deixar o local. O catarinense relatou que dezenas de brasileiros já saíram do país para regiões dos Estados Unidos e Peru, por exemplo, e “teve até idoso fugindo a pé, com uma mochila nas costas”.
De acordo com Ackermann, o pânico tomou conta dos exilados após os mandados de prisão emitidos pelo juiz argentino Daniel Rafecas, em novembro, pois temem voltar à prisão com penas semelhantes às de assassinos e estupradores. “E vou avisar: vai morrer patriota aqui na Argentina”, alertou durante entrevista ao projeto Vozes do 8 de Janeiro, que relata histórias do 8/1 em uma série de vídeos divulgados no YouTube.
Até essa sexta-feira (6), cinco exilados foram presos: Joelton Gusmão de Oliveira, Rodrigo Moro, Wellington Luiz Firmino, Joel Borges e Ana Paula de Souza.
Presos do 8/1 tentavam recomeçar a vida na Argentina
Em vídeo divulgado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro na última quinta-feira (5), a filha mais velha do comerciante Joelton relata que o pai foi detido ao pedir renovação do documento provisório para permanência no país. A família (foto abaixo) tentava empreender na Argentina com a venda de caldo de cana e pastel, na tentativa de recomeçar.
“A gente só quer seguir nossa vida, trabalhar”, disse Agnes Rondon Gusmão, de 21 anos. Grávida de nove meses, a jovem pede que o pai tenha liberdade para estar presente na vida dos filhos e netos, sem perseguição. No Brasil, a família administrou por anos uma pizzaria em Cuiabá, Mato Grosso, e depois uma hamburgueria em Vitória da Conquista, Bahia.
No mesmo vídeo, Eduardo Bolsonaro fala sobre o exilado Rodrigo de Freitas Moro, que também foi preso ao renovar sua documentação na Argentina. De acordo com a esposa Viviane, a família tem sobrevivido com doações e enfrenta graves problemas de saúde, já que ela e os dois filhos possuem uma doença genética rara conhecida como “ossos de vidro”.
“Com um aninho, o filho mais novo já tinha várias fraturas, inclusive cranianas, por quedas enquanto caminhava”, relata a sogra de Viviane, dona Noemi de Freitas, em entrevista à Gazeta do Povo. Ela informa que “Rodrigo é o tutor da família”, um rapaz trabalhador, de princípios, e que pertence à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Na foto abaixo, os dois meninos aparecem com fraturas ocasionadas devido à doença.
Outro exilado que tenta recomeçar na Argentina é o paulista Wellington Luiz Firmino, que antes administrava uma empresa de motoboys, em Sorocaba, interior de São Paulo. No país vizinho, ele abriu um empreendimento no mesmo ramo e estava iniciando o trabalho.
“Já tenho conta em banco, previdência social e até uma namorada aqui”, relatou à reportagem. No entanto, os planos foram interrompidos, pois ele foi preso na fronteira com o Chile.
À reportagem, Firmino informou que, durante sua audiência de custódia, ele deixou claro não querer a extradição porque teme ser colocado em um presídio comum com facções criminosas do Brasil. “Falei aqui que, se eu for extraditado, ‘o sangue de mi vida estará nas mãos de Argentina’.”
Os exilados na Argentina podem ser extraditados?
Os cinco exilados presos na Argentina ainda não foram liberados pela Justiça e aguardam os processos de refúgio ou extradição no cárcere.
De acordo com o doutor em Direito Internacional Eduardo Biacchi, se os pedidos de asilo político feitos pelos brasileiros forem aceitos, as extradições não ocorrerão e eles estarão liberados para viver na Argentina, sob proteção legal.
No entanto, Biacchi explica que, se a Argentina entender que os atos praticados pelos envolvidos no 8 de janeiro foram crimes contra o Estado Democrático de Direito, os exilados podem ser encaminhados à Justiça brasileira. Brasil e Argentina fazem parte do Acordo de Extradição entre os Estados do Mercosul.
Além disso, até que essa decisão seja tomada, os exilados podem aguardar em liberdade ou em prisão preventiva, o que preocupa advogados como Ezequiel Silveira, da Associação de Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav). Afinal, “esses processos podem durar anos”, alerta.
Segundo ele, “a maioria dessas pessoas nunca foi processada por crime nenhum”, então os advogados de defesa trabalham para que respondam em liberdade e recebam o asilo político que solicitam.
“Eles têm necessidade de tudo”, afirmam advogados
Mesmo em liberdade, Silveira diz que a situação em que vivem essas pessoas é “desumana”. O representante da Asfav viajou no final de novembro à Argentina para verificar a situação dos presos, seus familiares e demais exilados, e afirmou que “eles têm necessidade de tudo”, pois “estão vivendo em situação de refugiados de guerra”.
“Estão vivendo em situação de refugiados de guerra”
Ezequiel Silveira, advogado da Associação de Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav)
A Asfav e outras entidades humanitárias como a “Gritos de Liberdade” têm trabalhado para ajudar com doação de roupas, alimentos, remédios e também apoio jurídico, financeiro e psicológico.
“O desespero é tão grande que alguns, inclusive, já nos falaram que pensam em tirar a própria vida”, confidencia a advogada Marta Padovani, ao citar que parte dessas pessoas tinha estabilidade no Brasil ao atuar como engenheiro, médico e dentista, por exemplo, mas tiveram seus bens bloqueados. “Agora estão todos na mesma situação”, diz a advogada.
Advogados também têm sofrido ameaças
Vice-presidente do Instituto Gritos de Liberdade, Marta também tem viajado ao país vizinho para levar donativos, mas afirma sofrer ameaças. “Há um influenciador denunciando nosso trabalho, como se estivéssemos fazendo algo ilegal ao ajudar ‘terroristas’, mas não estamos”, garante, ao citar que as ações são transparentes e auxiliam as famílias que estão vivendo em “condições extremas”.
“Como não ajudar a matar a fome de um ser humano nessa situação?”, questiona. “Estamos esgotados, mas continuamos clamando por ajuda para que nenhuma dessas vidas se perca”, continua. “Eles realmente não aguentam mais.”
Segundo ela, o que tem motivado a equipe a continuar é a gratidão dos exilados. “Um senhor de mais de 60 anos me contou esses dias, por exemplo, que achou um calçado bom para uso na rua e teve certeza de que foi Deus suprindo”, relata. “Isso nos emociona e traz a certeza de que, enquanto essa situação não acabar, não podemos parar”, finaliza.
Como ajudar os familiares dos exilados
O Instituto Gritos de Liberdade oferece ajuda humanitária para as famílias dos presos dentro e fora do Brasil e iniciou, em parceria com a Liga Conservadora Brasil-Alemanha uma campanha de Natal para ajudar cerca de 300 famílias. A Chave Pix para doações é 56.976.663/0001-09.
Além dessa entidade, a Asfav também realiza ações em prol dos familiares dos presos e exilados do 8 de janeiro, e os dados para colaboração financeira estão no perfil da Associação no Instagram.
*Fotos: Arquivo Pessoal/Agnes Gusmão e Arquivo Pessoal/Viviane Moro