O ambiente humano é muito social. Família, amigos, colegas, estranhos —todos eles fornecem um fluxo contínuo de informações que precisamos rastrear e entender. Quem está namorando quem? Quem está brigando com quem? Embora nossa capacidade de lidar com uma rede social tão grande seja impressionante, isso não é algo especialmente exclusivo dos seres humanos. Outros primatas também fazem isso.
Nós —seres humanos e outros primatas, como macacos e símios— temos algo chamado conhecimento social que nos permite acompanhar a dinâmica social de nossos amigos, vizinhos e até mesmo inimigos.
No entanto, o que talvez seja diferente nos humanos é a maneira como nos comunicamos sobre essa dinâmica. Se eu vir meus vizinhos se cumprimentando, posso facilmente expressar isso em uma frase: “David está cumprimentando Iris”. Até onde as pesquisas mostram, outros primatas não conseguem fazer isso.
Eles podem se comunicar sobre entidades individuais, como emitir alarmes quando há perigo ou emitir alertas de comida quando encontram um alimento de que gostam. Mas não parecem expressar como uma ação está vinculada aos indivíduos envolvidos.
E é exatamente isso que acontece quando faço uma frase como: “David cumprimenta Iris”. Primeiro, digo quem está fazendo a ação (David, o agente), depois expresso o que ele está fazendo (a ação) e, por fim, para quem ele está fazendo a ação (o paciente).
Essa estruturação do evento não ocorre somente em inglês. A maioria dos idiomas prioriza os agentes por meio da gramática, o que sugere que isso é algo universal entre os seres humanos.
Estudos entre idiomas revelaram vieses semelhantes quando as pessoas visualizam imagens de eventos. Em tarefas em que as pessoas precisam descrever uma imagem que descreve uma ação, elas são rapidamente capazes de identificar o agente e passam mais tempo olhando para o agente do que para o paciente.
Isso aponta para a possibilidade de que nossa capacidade de “desconstruir” eventos como esses e nossa aparente tendência para agentes possam ter suas raízes em uma era anterior à evolução da linguagem.
Rastreamento ocular
Para testar isso, juntamente com colegas da Suíça, realizei um estudo de rastreamento ocular com adultos humanos, bebês de seis meses de idade, chimpanzés, gorilas e orangotangos em um zoológico.
Mostramos aos participantes vídeos de interações sociais, como um orangotango abraçando outro, e interações não sociais, como uma pessoa empurrando uma prateleira, usando uma técnica chamada rastreamento ocular por infravermelho. Essa técnica permite determinar remotamente a posição dos olhos ao olhar para uma tela. Isso significava que poderíamos trabalhar com macacos que assistiam aos vídeos voluntariamente, por meio de uma janela designada.
Nossos resultados revelaram que tanto os adultos quanto os macacos foram rápidos em identificar os agentes, mas somente em cenas em que os pacientes eram objetos.
Nas interações sociais, descobrir quem era o agente e quem era o paciente parecia levar mais tempo. Inesperadamente, somente em cenas que mostravam alimentos os participantes olhavam principalmente para o agente (que estava comendo ou carregando alimentos).
Essa falta de priorização do agente em outras cenas provavelmente se deve ao fato de termos mostrado vídeos, em vez de pedirmos aos participantes que tomassem decisões a partir de imagens estáticas, em que é preciso acompanhar a ação à medida que ela acontece.
Não está claro por que as cenas de comida despertam tanta atenção nos agentes, mas pode ser porque prestar atenção em quem tem comida é importante para a sobrevivência. Curiosamente, nossos resultados mostraram padrões de olhar muito semelhantes entre os humanos adultos e os macacos. À medida que cada cena se desenrolava, seus olhares alternavam entre agente e paciente.
Isso sugere que os macacos dão sentido a esses eventos de maneira semelhante à das pessoas. E quanto aos bebês? Os bebês apresentaram padrões de olhar muito diferentes. Eles pareciam olhar principalmente para o fundo de cada cena, sugerindo que não conseguiam identificar informações da mesma forma que os adultos.
Isso pode ocorrer porque, nessa idade, eles não conseguem “computar” as informações na mesma velocidade que os adultos e, provavelmente, também precisam adquirir experiência visual para ajudar a identificar rapidamente os agentes e os pacientes.
Nossas descobertas, portanto, sugerem que, quando apresentados aos tipos de cenas nas quais as pessoas podem facilmente identificar causa e efeito, os macacos parecem ser capazes de identificar agentes e pacientes, assim como os humanos. Isso corrobora a ideia de que nossa propensão a “desconstruir” informações sobre eventos não é algo exclusivo da linguagem, mas é uma habilidade que compartilhamos com nossos primos vivos mais próximos.
Talvez ela tenha sido um andaime sobre o qual construímos a linguagem mais tarde. A questão, então, é por que outros primatas não se comunicam sobre eventos da mesma forma que nós. Essa é uma pergunta para a qual ainda não temos uma resposta.
No entanto, parece muito possível que o mundo social no qual os seres humanos e outros macacos evoluíram possa ter ajudado a impulsionar essa disposição para identificar agentes e pacientes, mantendo o controle de todos esses relacionamentos de amor e ódio.
Portanto, da próxima vez que você vir seus vizinhos se cumprimentando, lembre-se de que os macacos parecem ver o mundo quase da mesma forma que nós.
Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original