Além do descontentamento com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que restringiu o uso de emendas parlamentares, líderes do União Brasil e PSD explicitaram nesta semana suas insatisfações com a articulação política do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Tidos como fiéis da balança para que o Executivo aprove seus projetos no Congresso, as bancadas destes partidos ameaçam agora dificultar a tramitação do pacote de corte de gastos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O principal racha veio da bancada do União Brasil. O partido conta com três ministérios no governo petista, mas apenas nove dos 53 deputados que estavam presentes na sessão votaram pela aprovação da medida. O União integra o bloco partidário com outras siglas como PP, PSDB, Cidadania, PDT, Avante, Solidariedade e PRD.
Durante a orientação pelo bloco, o deputado Afonso Motta (PDT-RS) explicitou o racha dentro do grupo. “Eu, em nome do bloco, vou votar ‘sim’, mas sabemos da preocupação dos líderes, do trabalho de convencimento que os líderes estão fazendo e que deve estar concluído até o momento em que nós efetivarmos a votação”, disse o pedetista.
A debandada dentro do União Brasil acendeu um alerta no Palácio do Planalto, pois o governo precisa reunir ao menos 308 votos para tentar aprovar na próxima semana uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do pacote apresentado por Fernando Haddad.
“O mérito ainda vamos discutir na outra semana, estamos discutindo [hoje] apenas a urgência para darmos um sinal de que este Congresso tem responsabilidade com o País e não com o governo”, minimizou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), ao ser questionado sobre a base do governo.
PSD de Kassab ficou incomodado com a aliança de Lula com Lira
Além do União Brasil, outro partido que está descontente com a relação com o Palácio do Planalto é o PSD, presidido nacionalmente por Gilberto Kassab. A sigla tentava o apoio do governo Lula para lançar a candidatura de Antônio Brito (PSD-BA) na disputa pela sucessão de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara no ano que vem.
O PT, no entanto, fechou acordo para apoiar Hugo Motta (Republicanos-PB), candidato escolhido por Lira. A movimentação do partido de Lula fez com que outras siglas da base embarcassem na candidatura do deputado do Republicanos, o que fez com que Brito recuasse na disputa.
Lideranças do PSD ouvidas pela Gazeta do Povo admitem reservadamente a crise e avaliam que o governo apostou toda sua articulação em Lira para aprovar o pacote de gastos. A irritação com o governo foi explicitada na votação do requerimento de urgência, em que o partido de Brito entregou 20 votos contrários de um total de 37. Já o Republicanos, de Hugo Motta, teve apenas três votos “não”.
Antes disso, o partido de Kassab também já havia resistido a assinar os pedidos para que os requerimentos fossem levados ao plenário. O recuo só veio depois que o ministro da Casa Civil, Rui Costa, se reuniu com integrantes da bancada para ouvir as queixas dos parlamentares.
Uma das apostas dos governistas para tentar reduzir as resistências dentro do partido da base é acelerar a liberação das emendas parlamentares do Orçamento deste ano. Nesta semana, a Secretaria de Relações Institucionais pediu ao Ministério da Fazenda o pagamento de R$ 7,8 bilhões dos recursos que já haviam sido indicados pelos parlamentares.
“Na medida em que os órgãos apresentem demandas garantindo que estão sendo cumpridas as exigências legais e as fixadas pelo STF, novas liberações de limite financeiro serão efetuadas ainda ao longo do corrente mês de dezembro de 2024”, informou a pasta de comandada por Alexandre Padilha, responsável pela articulação política.
Lira admite dificuldade para aprovar pacote de gastos do governo
Arthur Lira tem retribuído o apoio do governo ao nome de Hugo Motta na sucessão da Câmara com sinalizações ao Planalto de que pretende aprovar o pacote de gastos ainda neste ano. A avaliação entre os integrantes do União Brasil e do PSD, no entanto, é de que o atual presidente da Câmara perdeu controle da maioria dos deputados com o fim das emendas do chamado orçamento secreto.
Além disso, os projetos de ajuste fiscal apresentados por Haddad incluem a possibilidade de contingenciamento das emendas parlamentares quando houver risco de não cumprimento da meta fiscal por queda de receitas. A proposta traz ainda a possibilidade de bloqueio desses recursos quando for preciso cumprir o limite de despesas.
“Desta forma, as emendas parlamentares terão o mesmo tratamento das demais despesas discricionárias do Poder Executivo, ajustando-se às regras de funcionamento do arcabouço fiscal”, justifica o governo Lula.
A avaliação entre os líderes é de que esse ponto prejudica ainda mais o avanço do pacote de gastos e deixa Lira em uma situação desconfortável com os seus pares. Durante participação no “Fórum Jota: o Brasil em 10 anos”, o presidente da Câmara admitiu que o momento é de instabilidade, principalmente em razão das alterações das regras dos pagamentos das emendas parlamentares.
“Vai ter trabalho, convencimento, diálogo. O Congresso não vai faltar, mas estamos em um momento de muita turbulência e de problemas que não são inerentes à harmonia dos Poderes, na circunscrição do que cada Poder deve fazer”, disse Lira.
Segundo ele, o governo está empenhado em convencer os parlamentares da importância de aprovar o pacote, mas há deputados que defendem medidas fiscais mais rigorosas e outros contrários às restrições.
“Não sei se vai ter apoio dos partidos de esquerda para uma pauta dessa, por exemplo. O governo vai aprovar com os partidos de esquerda votando contra? Essa discussão vai ter que ser mais aprofundada”, questionou Lira.
Assim como União Brasil e o PSD, partidos de esquerda como o próprio PT de Lula, o PSol, o PCdoB e o PV resistem em cortar gastos em benefícios sociais como o abono salarial e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
“Não devemos votar aqui para acalmar o mercado, mas, sim, para fazer o país avançar. E essas propostas cortam despesas sobre os mais pobres. Elas são equivocadas porque atingem exatamente os mais pobres. Esse é o velho jogo ultraneoliberal. E há uma contradição muito grande em relação ao programa que elegeu o presidente Lula”, disse o deputado Chico Alencar (SP), líder do Psol na Câmara.
Os 10 deputados do Psol votaram contra os requerimentos de urgência do pacote de gastos do ministro Fernando Haddad. “Entendemos que não há urgência para esse tipo de ajuste, que é injusto e que só grava os que mais precisam do Estado e dos programas sociais. Vamos cortar lá em cima e não deixar para as calendas isso”, completou Alencar.