Moradores de São Paulo rejeitam o asfalto da prefeitura para manter suas ruas de paralelepípedo. Para além da nostalgia, a discussão envolvem drenagem das chuvas, filtragem dos mananciais, mobilidade e segurança viária.
Os casos estão espalhados pela cidade. Numa madrugada, o arquiteto Tiago Valente, 50, entrou na frente das máquinas de asfaltar para salvar os paralelepípedos da rua Santa Verônica, no Brooklin, zona sul da capital.
“Eles são oportunistas. Vieram aqui, bateram em três portas perguntando se podiam asfaltar e começaram as obras. Parei na hora e perguntei para o resto da rua, cerca de 50 casas. Não teve um que permitiu”, conta.
A rua possui remendos de asfalto, resultado de reparos na via. O mais recente, feito no começo do ano, escapou da vigilância de Tiago. Para cobrir um buraco de 50 cm, taparam 5 metros da via –o buraco permanece.
O serviço de capeamento é realizado mediante pedido dos moradores, informa a prefeitura, e já foi executado em 969 vias de paralelepípedo desde 2023. O orçamento para isso não foi divulgado.
A Folha mostrou que os investimentos em pavimentação costumam aumentar em ciclos eleitorais em São Paulo e chegaram a um recorde na gestão Ricardo Nunes (MDB). Foram quase R$ 4 bilhões liquidados apenas em 2023, acima dos R$ 2,5 bilhões previstos inicialmente para todo o programa Asfalto Novo e 11 vezes mais do que o investido em transporte público.
“Eu guardei os paralelepípedos que eles tiraram. Cobrir essa rua de asfalto seria um crime ambiental”, afirma Tiago. A região fica num vale e sobre o córrego da Traição, segundo a plataforma GeoSampa. Inundações e alta umidade são comuns na área, diz.
De acordo com Luciana Travassos, professora de planejamento territorial na Universidade Federal do ABC, os paralelepípedos ajudam na drenagem. “A infiltração da água é muito melhor que em qualquer outro pavimento. Também tem importância na filtragem da água que vai para as galerias pluviais, que podem carregar partículas finas e metais pesados, por exemplo.”
Em comparação com o asfalto, os tijolos não retêm tanto calor também, diminuindo a temperatura ao seu redor, afirma.
Para a prefeitura, a pavimentação com asfalto melhora a segurança viária e a mobilidade urbana. “A seleção das ruas para pavimentação segue critérios técnicos, uma vez que paralelepípedos são escorregadios, dificultam a frenagem e aumentam o risco de acidentes, especialmente em dias de chuva”, diz em nota enviada à reportagem.
A gestão também argumenta que o asfalto garante melhor escoamento das águas pluviais e reduz a necessidade de manutenções. “Todas as vias pavimentadas têm sistema de drenagem. Em casos específicos, se a comunidade preferir manter o paralelepípedo, o serviço pode ser reavaliado.”
Em Pinheiros, na zona oeste, os moradores da rua Sílvio Sacramento ficaram sabendo em um dia de abril que as máquinas iriam passar na manhã seguinte e que, para isso, precisavam retirar os carros da via.
Como protesto, eles só não tiraram os veículos como penduraram placas neles, com a mensagem “moradores contra a pavimentação!”. Parte da vizinhança passa por tombamento e, para os moradores, os tijolinhos fazem parte do processo. “Se não é possível descaraterizar as casas, por que a prefeitura pode destruir a rua?”, questiona Celi Cavallari, que organizou o protesto.
O pleito funcionou, expulsando as equipes da prefeitura não só da Sílvio Sacramento, como da Artur Alvim, na quadra abaixo.
Na Vila Zelina, zona leste, há uma semana as obras na rua Fabiano Alves também pararam graças às manifestações de moradores, que colocaram os carros para fora da garagem ao descobrirem que as máquinas estavam passando.
“É triste porque não é todo mundo que tem tempo ou empenho para lutar contra isso. A prefeitura deveria poupar nosso tempo, não tomá-lo”, diz Paula Gabbai, arquiteta que convocou associações para ajudar na causa.
Um dos que atenderam ao chamado foi o movimento Paralelepípedo Livre, formado no início do ano por representantes de 50 ruas de paralelepípedos da Vila Madalena, Sumaré, Mooca, Vila Cordeiro, entre outros bairros. “Temos um grupo de WhatsApp a partir do qual nos fortalecemos quando a prefeitura tenta recapear as ruas”, conta a integrante Fernanda Salles, 56.
Ela mora nos Predinhos da Hípica, em Pinheiros, e incentivou o processo de tombamento da região em 2018. Em abril, Fernanda e outros moradores repeliram o asfaltamento mais uma vez. “Não pedimos para a prefeitura pavimentar novas ruas com paralelepípedo, mas preservar as existentes. Nem tudo precisa ser asfalto”, diz.
Por isso, o movimento entrou em contato com vereador Eliseu Gabriel (PSB) para criar um projeto de lei que proteja os paralelepípedos. Atualmente, eles buscam apoio de mais vereadores.
Procurada sobre os casos citados na reportagem, a prefeitura afirma que a rua Silvio Sacramento não está incluída no programa de pavimentação. Na rua Fabiano Alves, o serviço de pavimentação foi iniciado devido às condições da via, acrescenta. No entanto, após solicitação por parte dos moradores pela não execução da obra, os serviços foram suspensos. Sobre a rua Santa Verônica, a gestão afirma que um estudo de viabilidade está sendo feito após pedidos de moradores.