Passar alguns minutos pertinho de um chimpanzé é uma experiência transformadora. Costumo dizer que, num mundo ideal, todo ser humano deveria ter a chance de passar por ela. Os detalhes do olhar e da pele das mãos do símio ficam gravados para sempre na memória da gente, mas tem outra coisa igualmente memorável: o senso de humor.
Chimpanzés frequentemente são pândegos de marca maior (perdão pela palavra com cheiro de naftalina, mas é a que me ocorre). Fica claro que resolvem fazer certas coisas esquisitas pura e simplesmente porque é divertido; se for possível fazê-las junto com outros macacos, melhor ainda. E essa talvez seja mais uma das inúmeras pontes cognitivas que nos conectam com eles, conforme mostra um estudo publicado recentemente.
Ocorre que, embora inúmeras espécies reino animal afora tenham descoberto as delícias do ato de brincar, é comum que as brincadeiras fiquem restritas à infância. Brincar é, quase sempre, coisa de filhote, sendo um comportamento importante para o aprendizado motor e social. Adultos sérios, com filho pra criar, deixam de ter tempo para esse tipo de bobagem.
É fato que, entre seres humanos, a frequência do ato de brincar também tende a diminuir com o aumento da idade. Mas nunca desaparece de todo, continuando a ser um elemento central das nossas vidas, ainda que assuma formas mais sutis graças à nossa complexidade cognitiva (contar piadas, jogar truco, futebol ou videogame com os amigos no fim de semana ou mesmo brincar com os filhos e netos).
A nova pesquisa, que saiu na revista especializada Current Biology, confirma que chimpanzés adultos também brincam entre si (e não apenas com os filhotes) com frequência considerável. E, mais importante ainda, as pilhérias simiescas parecem ser uma ferramenta importante para aumentar o entrosamento entre os membros do bando quando a coisa fica séria.
É o que verificou a equipe liderada pela pesquisadora Liran Samuni, do Centro de Primatas Alemão. Samuni e seus colegas estudaram as interações brincalhonas entre 57 chimpanzés adultos, membros de três comunidades que vivem no Parque Nacional Taï, na Costa do Marfim. Os dados foram coletados ao longo de 12 anos de trabalho –os chimpanzés do parque estão entre os acompanhados há mais tempo no mundo.
O que os autores do estudo verificaram é que existe uma correlação forte entre as brincadeiras dos adultos e, algumas horas depois, a prática de atividades que exigem coordenação entre os membros do grupo.
E são atividades cruciais para a sobrevivência: o patrulhamento das “fronteiras” do bando, protegendo-o de incursões de grupos rivais, e a caça a macacos de pequeno porte (de uma espécie totalmente diferente, bem entendido), que traz um bem-vindo incremento de proteínas para a dieta dos grandes símios.
As brincadeiras não só são bem mais comuns antecedendo os dias em que essas atividades ocorrem como também é mais provável que indivíduos que brincaram juntos antes acabem fazendo “coisa séria” juntos mais tarde também.
Tudo isso significa que brincar é essencialmente só “ensaio” para o que realmente importa? Do ponto de vista dos indivíduos, é claro que não. O prazer e alegria do momento continua sendo real e vale por si mesmo, sejamos nós primatas mais ou menos peludos.
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