Conheci o artista plástico Zaca Oliveira por meio dos vídeos com seus animais de estimação. A forma cuidadosa com que Zaca falava com a cadela Meuri me inspirou a conversar com minha cachorra Tuca: explicar quando a rotina muda e a interpretar cada grunhido como um pedido diferente.
Não se sabe ao certo onde Meuri nasceu. Mas foi em uma das ruas da Cidade Baixa, em Salvador (BA), que a cadela fincou suas patinhas. Era uma jovem cachorra cheia de energia para brincar com a criançada, que a adotou coletivamente. Acompanhava os meninos até a porta da escola e os aguardava para voltar para casa. À noite, as crianças saíam para alimentá-la em um casarão abandonado.
Foi quando Zaca se comoveu e decidiu adotá-la. A conquista exigiu paciência, já que Meuri tinha receio de adultos. Um dia, enquanto uma senhora a limpava, Meuri finalmente aceitou o carinho de Zaca. “A primeira vez que olhei os olhos de Meuri, eu tive a sensação de que ela não poderia ser só minha, mas tinha que ser de todo mundo, seria muito egoísmo um animal com esse olhar ser só meu. Meuri foi compartilhada”, relembra o tutor.
Na primeira noite, dormiu no sofá. Depois, ela adotou Zaca de vez, tornando-se uma companheira para tudo e em todos os lugares. “Meuri foi um amor inesperado. Sou artista plástico, trabalho na madrugada. Ela ficava acordada comigo enquanto eu pintava. Ela me olhava com aquele olhar assustado. Me acostumei com a presença dela”, diz.
“Os animais têm essa coisa que os humanos têm perdido: a gratidão. A gente se aproxima mais da gratidão, da lealdade [com eles]. Uma pessoa dizia que eu transferia o sentimento para a Meuri. Mas eu não sou sozinho, tenho família, irmãos. Amor é algo que podemos ter por qualquer ser. Os animais também podem ser grandes parceiros”, diz.
A família cresceu com a adoção de um gatinho. E foi assim que nasceu o primeiro viral, quando Zaca brincou a chamando de “bolsonara“, chegando a milhares de compartilhamentos, alcançando pessoas de vários locais pelo mundo. “Ela recebeu pessoas que faziam tratamento de câncer e tinham o desejo de conhecê-la. Ela olhava pra mim como se dissesse “você vai deixar” e eu dizia está tranquilo e as pessoas fotografaram, tinham a Meuri como alguém próxima. Vinham pessoas do mundo pra ver Meuri. Virou visita obrigatória”.
No último dia 30 de novembro, com aproximadamente 10 anos, Meuri morreu. Na noite anterior, não dormiu na cama como de costume, ficou na sala. Quando Zaca acordou, ela já havia partido. “Teve uma morte digna. Não sofreu, estava na casa dela. Ela foi bem cuidada até o final”, conta Zaca.
Há cerca de três meses, a cachorra recebeu o diagnóstico de câncer. Segundo Zaca, quando descoberto, já havia linfomas por todo o corpo afetando todos os órgãos. Ao procurar novas opiniões, todos os veterinários mantinham o mesmo prognóstico: Meuri tinha pouco tempo de vida. Zaca começou a viver um processo de luto que nós, seguidores, acompanhamos com dor e tristeza em seu perfil. Eu sentia como se fosse a minha cachorra. Afinal, o cotidiano cheio de amor e parceria dos dois se assemelha ao de milhares de tutores no mundo inteiro.
Durante três meses, o tutor lidou com as opiniões de pessoas que, mesmo nas melhores intenções, muitas vezes atrapalhavam, indicando todo tipo de medicamento ou desqualificando o trabalho dos veterinários. Outros insistiam que ele fizesse a eutanásia. “Mas Meuri ainda comia, abanava o rabinho. Quando dava o medicamento, e a dor passava, ela queria brincar, interagir, ficar perto, queria ser dócil e amável. Comecei a falar pra ela: se não estiver aguentando mais não fica aqui”.
Em meio à dor, me impressionou a lucidez de Zaca em escolher pelo bem-estar de Meuri, fazendo de tudo para que ela não sentisse dor. Zaca sabia que a quimioterapia poderia ser invasiva e que esse tipo de tratamento não alongaria seu tempo de vida. “Minha decisão foi a de não fazer quimioterapia. Era agressivo. E um médico disse que não iria resultar em melhora. Parti para os cuidados paliativos e o uso de cannabis medicinal”, conta. Despediu-se de todas as formas que pôde: passou o máximo de tempo com Meuri; a levou para brincar na praia; ofereceu suas comidas favoritas. Curtiu cada momento sabendo que realmente poderia ser o último.
“Eu acho que [o animal de estimação] é tão importante quanto um ser humano. Imagina minha rotina. Eu abro a porta, a casa está um silêncio e um vazio. Emocionalmente, não estou bem. Estou trabalhando em casa pra ocupar a mente, para não pensar no vazio que está. Eu cancelei reunião de trabalho, não tenho condição de ficar em lugares rindo. Ainda não. Eu não acredito, às vezes, que ela morreu. Existe, sim, um luto. Amor dado é a ausência e a saudade”, conta Zaca.
O acolhimento e a demonstração de amor à Meuri que têm confortado Zaca nesses primeiros dias. Alguns, no entanto, insistem que Zaca adote outro animal. “Não se substitui amor. Em nome dela, vou continuar ajudando outros cachorros. Não vou atrás agora. E quando ver uma figura na rua que olhar pra mim e ele pra ele. Enquanto isso, vou continuar ajudando a todos. Tenho certeza que fui amado por ela. Quais são os humanos que temos certeza que nos amam?”.
Para honrar sua memória, o artista plástico continua alimentando cachorros abandonados com rações que recebe. Produziu uma placa azulejada com a foto da cachorra com os dizeres “Rua de Mel”. Uma dessas placas está em seu muro, já que Meuri virou uma referência para serviços de entrega.. Não sabemos onde ela nasceu, mas sabemos onde ela sempre continuará viva: na Rua de Mel.
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