Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciam nesta sexta-feira (6) o julgamento de um pedido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para impedir que o ministro Alexandre de Moraes continue à frente do inquérito sobre a suposta tentativa de golpe de Estado em 2022.
O pedido de impedimento foi protocolado em fevereiro deste ano, após as primeiras decisões de Moraes contra investigados no caso. Naquele mesmo mês, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, rejeitou o pedido.
Agora, os 10 ministros restantes julgarão um recurso. Alexandre de Moraes não participará do julgamento, que será realizado de forma virtual, com votos escritos registrados no sistema processual do STF ao longo de uma semana. A expectativa é que o colegiado mantenha a decisão anterior e rejeite novamente o pedido.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) já se posicionou a favor da permanência de Moraes no caso. A PGR também analisa o relatório da Polícia Federal que indiciou Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas por crimes contra o Estado Democrático de Direito e formação de organização criminosa. A previsão é de que uma denúncia formal contra eles seja apresentada ao STF em 2025.
Na última segunda-feira (2), Bolsonaro apresentou outro pedido para afastar Moraes, com argumentos semelhantes ao recurso que será analisado a partir desta sexta. No entanto, Barroso ainda não tomou uma decisão sobre esse novo pedido, e não há previsão de julgamento pelos demais ministros.
As cinco razões apontadas pela defesa de Bolsonaro:
1. Moraes: vítima e julgador
O primeiro motivo apresentado pela defesa de Jair Bolsonaro é a alegação de que a investigação revelou um monitoramento físico de Alexandre de Moraes no final de 2022. Esse monitoramento teria sido realizado por militares investigados, que, segundo a Polícia Federal, fariam parte de uma organização criminosa que incluía o ex-presidente, com o objetivo de impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
Além disso, a apuração indicou a existência de um plano para prender e até assassinar o ministro, que era considerado pelos investigados como um obstáculo à concretização do suposto golpe de Estado.
Os advogados de Bolsonaro destacam que, na primeira decisão relacionada ao caso, Moraes fez mais de 20 referências a si mesmo como alvo do plano golpista. Para a defesa, essa situação comprometeria sua imparcialidade no julgamento.
“São delineados episódios que expõem a vulnerabilidade do magistrado frente ao suposto monitoramento e plano elaborado pelos investigados, delineando um contexto que torna evidente e fortemente questionada a sua imparcialidade objetiva e subjetiva para decidir nestes autos, dada sua posição de vítima”, argumenta a defesa no pedido de suspeição.
2. Alexandre de Moraes teria interesse direto no caso
A defesa de Jair Bolsonaro fundamenta o pedido de impedimento de Alexandre de Moraes com base em uma regra do Código de Processo Penal que estabelece: “o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito”.
O argumento apresentado é que, na condição de vítima, Moraes teria interesse direto no desfecho do caso, especialmente para proteger sua própria integridade. A defesa destaca, como exemplo, a decisão do ministro de decretar a prisão preventiva do coronel Marcelo Câmara, acusado de monitorá-lo em 2022.
Segundo os advogados, a prisão foi determinada com base no risco percebido por Moraes na continuidade das ações do militar. “O ministro relator determinou a prisão de quem supostamente lhe inflige receio pessoal, ou seja, assumiu, a um só tempo, a condição de vítima e de julgador”, argumenta o pedido de suspeição apresentado pela defesa.
3. Aparência de imparcialidade
A defesa de Jair Bolsonaro sustenta que a imparcialidade de um juiz não se limita à sua atuação, mas também à percepção pública dessa imparcialidade, elemento essencial para preservar a credibilidade da Justiça. Para embasar o argumento, os advogados citam juristas que afirmam ser a imparcialidade uma condição indispensável para garantir direitos como o devido processo legal e a ampla defesa.
“Em sede de imparcialidade, não interessa a real capacidade de o magistrado se manter imparcial no julgamento, mesmo porque há natural impossibilidade de aferição do ânimo do magistrado, mas a identificação de situações objetivas que geram a suspeita ou o risco de parcialidade, o que concerne à função de prevenção ou de proteção da administração da justiça”, afirmam os advogados no pedido.
Eles também argumentam que a imparcialidade é fundamental para salvaguardar os direitos das partes no processo penal, devendo ser garantida por meio de uma rígida separação entre as funções de acusar e julgar.
“A imparcialidade, fulcral na salvaguarda dos direitos das partes no âmbito do processo penal, está intrinsecamente ligada à adoção de um paradigma que defenda, como princípio basilar, a radical separação das funções de acusar e julgar, eliminando toda e qualquer possibilidade de distorções processuais, tais como a instrumentalização persecutória por parte do magistrado ou sua excessiva interferência na fase probatória”, destacam em outro trecho do documento.
4. Normas internacionais imparcialidade de juízes
Além do Código de Processo Penal, a defesa de Jair Bolsonaro apoia seu argumento em normas internacionais que reforçam o dever de imparcialidade dos juízes, todas reconhecidas e incorporadas pelo Brasil. Entre elas, estão a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ambos adotados pelo país em 1992.
A defesa destaca, especificamente, o trecho da Convenção Americana que estabelece: “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela”.
No caso em questão, Alexandre de Moraes assumiu a investigação contra Bolsonaro, que envolve uma suposta tentativa de golpe, a partir de outras apurações que ele já conduzia, como os inquéritos das milícias digitais e das “fake news”. Ambos os casos haviam sido inicialmente delegados a Moraes pelo ministro Dias Toffoli.
5. Afastamento não leva Alexandre de Moraes “no banco dos réus”
Por fim, a defesa de Jair Bolsonaro afirma que o objetivo do pedido de impedimento de Alexandre de Moraes não é condená-lo, mas assegurar a imparcialidade no julgamento das ações atribuídas ao ex-presidente. Os advogados enfatizam que a questão central está relacionada à credibilidade do Poder Judiciário e à confiança da sociedade na instituição.
Para embasar essa argumentação, eles citam os criminalistas Luciano Feldens e Andrei Zenkner Schmidt: “A exceção de suspeição não se constitui como um processo sancionador; o juiz não está no banco dos réus, potencialmente submetido a uma sanção. O que está em questão é algo mais sensível: a credibilidade do Poder Judiciário e a confiança que os cidadãos depositam na instituição.”
Além disso, a defesa faz referência a outra norma do Código de Processo Penal, segundo a qual jurados que demonstram disposição prévia para condenar ou absolver um acusado de homicídio são impedidos de participar do julgamento. Para os advogados, essa disposição reforça a necessidade de se evitar qualquer suspeita sobre a imparcialidade daqueles que julgam.