Em audiência realizada nesta quinta-feira (5) pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, juristas expressaram críticas à condução e à extensão do inquérito das fake news, instaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019.
Conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, o inquérito foi instaurado em março de 2029, sem provocação do Ministério Público e segue sob sigilo, sem perspectiva de encerramento. O objetivo é apurar crimes como calúnia, difamação e injúria contra membros da Suprema Corte e seus familiares.
A deputada Julia Zanatta (PL-SC), que propôs o debate e presidiu a audiência, condenou a estrutura do inquérito, alegando que ele concentra funções investigativas, acusatórias e judiciais em uma única instância.
“Ao concentrar em uma só instância os papéis de investigar, acusar e julgar, o inquérito atropela o devido processo legal e fere a separação de Poderes. Alvos são mantidos sob acusações obscuras, enquanto censura prévia e bloqueios de redes sociais silenciam críticas legítimas. Essa prática não combate desinformação, mas multiplica ao sufocar o debate e a transparência”, afirmou.
Na audiência, o deputado José Medeiros (PL-MT) ressaltou a “importância e a relevância do tema”. Outros parlamentares criticaram a falta de acesso aos autos e a demora para o arquivamento do inquérito.
“Esses processos são secretos, justamente para que eles possam agir na clandestinidade. Eles querem se esconder nas sombras desses processos secretos, para que não venha ao público o que de mal estão fazendo. As prerrogativas dos advogados estão sendo negligenciadas absolutamente. A OAB é cúmplice”, declarou o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS).
As investigações do inquérito das fake news são contra diversos grupos e indivíduos, incluindo jornalistas, empresários, parlamentares e cidadãos que criticaram os ministros do STF. Manifestações populares contra a Corte, seja nas ruas ou nas redes sociais, foram consideradas “ameaças” à integridade dos magistrados.
Liberdade de expressão
O jurista Ives Gandra Martins enfatizou a importância das divergências de opinião na democracia e alertou contra práticas de censura prévia. “Nós não podemos dizer o que o cidadão tem que pensar antes. Ele pode ser punido por abuso depois. O que o constituinte declarou é que é livre a manifestação de pensamento. E o abuso, sendo vedado anonimato, ele dá direito à resposta e indenização por danos morais. E aceita-se por acepção do Código Penal, indenização por difamação, denunciação caluniosa”, explicou.
De acordo com Ives Gandra, o controle sobre notícias falsas deve ocorrer após a publicação, e não de forma preventiva, para evitar ferir o direito à liberdade de expressão garantido pela Constituição.
Em 2020, o STF decidiu, por ampla maioria (10 votos a 1), que o inquérito é constitucional e segue os preceitos legais, mesmo com críticas de que ele viola competências de outros poderes. O único voto contrário foi do ministro aposentado Marco Aurélio Mello – hoje aposentado –, que questionou a validade de um magistrado instaurar inquéritos sem provocação de órgãos competentes.
O advogado e professor André Marsiglia criticou o fato de o inquérito estar ativo há mais de cinco anos, sem uma previsão clara de encerramento. Ele questionou a validade jurídica de investigações tão longas. “Não dá para você investigar eternamente. A investigação é um meio, ela não é um fim”, declarou.
Se depender do relator do inquérito, o ministro Alexandre de Moraes, essa situação não deve mudar tão cedo. Questionado pelo jornal Folha de S.Paulo se tinha alguma previsão de “enfim” concluir a investigação, em dezembro de 2023, respondeu: “Ele vai ser concluído quando terminar”.