O oceano Ártico, que ocupa a região congelada mais ao norte do planeta, pode ter um primeiro dia em condições consideradas livres de gelo dentro de três a seis anos devido às mudanças climáticas.
O alerta está em um artigo publicado na terça-feira (3) na revista Nature Communications por pesquisadoras da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, e da Universidade do Colorado, nos EUA.
Cientistas consideram que o oceano Ártico estará livre de gelo quando chegar a uma área congelada de menos de um milhão de quilômetros quadrados. Em 2023, a mínima registrada foi de 3,39 milhões de quilômetros quadrados. A área total do Ártico é estimada em cerca de 15 milhões de quilômetros quadrados.
Para chegar aos resultados, as cientistas usaram modelos computacionais do tipo CMIP6 (Projeto de Intercomparação de Modelos Acoplados) —iniciativa internacional de modelos climáticos que criam uma versão digital da Terra para melhor estudar as mudanças do clima em diferentes períodos.
Esses são os mesmos modelos usados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) para produção dos relatórios sobre o clima. As simulações partiram da área mínima de gelo registrada em 2023.
Segundo Céline Heuzé, professora sênior de climatologia na Universidade de Gotemburgo e uma das autoras do estudo, os modelos foram escolhidos para o estudo porque são produzidos por diferentes centros ao redor do mundo e têm seus dados disponíveis publicamente e online, além de seguir procedimentos em comum para que possam ser comparados uns aos outros.
No cenário mais drástico, em que o dia sem gelo acontece dentro de três a seis anos, as simulações mostraram uma cadeia de eventos que servem de gatilho: uma atmosfera mais quente durante o inverno e a primavera anteriores levariam a uma perda de massa de gelo durante o restante do ano, o que deixaria a camada congelada mais fina e frágil. No verão, uma forte tempestade conseguiria quebrar o gelo oceânico com maior facilidade, fechando o ciclo.
“Um único dia pode não ser tão significativo para o clima. No entanto, um dia sem gelo marinho torna mais provável que haja outro dia sem gelo, depois outro, e mais outro, até chegar a um mês inteiro, e assim por diante. Isso ocorre porque, sem o gelo marinho, o oceano aquece rapidamente, o que dificulta a formação de gelo novamente”, afirma a pesquisadora.
Sem a quantidade adequada de gelo, a biodiversidade local corre riscos. “O gelo marinho é a base do ecossistema no Ártico. Tudo, desde algas até peixes e ursos-polares, depende dele”, diz Heuzé.
Micheline Carvalho Silva, professora do departamento de Botânica da UnB (Universidade de Brasília), que não participou da pesquisa, explica que a camada branca de gelo sobre o oceano Ártico reflete a luz solar, impedindo o aquecimento das águas.
Com o fim dessa barreira, o oceano escurece e se aquece com a absorção da radiação do sol, modificando as correntes marinhas, a circulação atmosférica e a distribuição de calor. “Isso prejudica animais e plantas que dependem desse ecossistema para se alimentar ou se reproduzir”, diz.
Silva fez parte da primeira expedição oficial de pesquisadores brasileiros ao Ártico, em 2023. O clima mais ameno do que era esperado surpreendeu os cientistas e dificultou a coleta de amostras. A pesquisadora conta que as condições eram muito diferentes de quando esteve na mesma região em 2016, em visita feita na mesma época do ano, no verão.
“Vimos uma mudança extrema no clima, com locais completamente sem gelo e geleiras derretendo. Nesse contexto, algumas espécies de animais e plantas podem desaparecer, enquanto outras podem expandir a área de colonização. Há ainda a liberação de bactérias, fungos e outros microrganismos que estão presos nas geleiras, e muitos deles são desconhecidos e não sabemos quais são os riscos que podem trazer”, afirma.
A cientista brasileira diz que o novo artigo cumpre o papel de fazer um alerta para o que aguarda o planeta Terra caso as piores hipóteses se concretizem. Mas ela acrescenta que os estudos devem ser ampliados para uma melhor compreensão do cenário.
“Os modelos computacionais devem ser aprimorados e as pesquisas precisam ser multidisciplinares, com melhor uso de imagens de satélites, por exemplo, e a combinação com outros dados científicos disponíveis”, pondera.
Embora o primeiro dia sem gelo no Ártico possa ter um alto simbolismo pelo impacto visual que mostra as consequências da ação do homem sobre o planeta, ele não indica que o oceano vá permanecer nesse estado ou passar a ter dias sem gelo todos os anos, diz o estudo.
Há ainda outra possibilidade que traz um cenário mais animador. Os dados mostram que o dia livre de gelo aconteceria, nesse caso, em um ano após uma sequência de cinco anos com temperatura média global 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
“Isso significa que, se conseguirmos manter o aquecimento abaixo da meta do Acordo de Paris de 1,5 °C de aquecimento global, dias sem gelo ainda poderiam ser potencialmente evitados”, escrevem as cientistas no artigo.
Para Heuzé, só há uma solução: barrar as mudanças climáticas. “Os cientistas vêm dizendo há mais de cem anos que isso aconteceria se não parássemos de queimar combustíveis fósseis. Não sei de quanta ciência mais os políticos precisam para finalmente levar as mudanças climáticas a sério”, conclui a pesquisadora.