Em um complexo de laboratórios fortemente protegido no sopé das Montanhas Rochosas, cientistas do governo dos Estados Unidos estão trabalhando em um novo tipo de sistema de alarme global que pode detectar se outro país, ou talvez apenas um bilionário aventureiro, fez algo estranho —por exemplo, se diminuiu a intensidade do sol.
A cada semana, pesquisadores em Boulder, no Colorado, soltam um balão que sobe a 27 quilômetros no céu. Balões semelhantes são lançados com menor frequência de outros locais, como Alasca, Havaí e Nova Zelândia; da Ilha da Reunião, perto da costa da África; e até mesmo da Antártida. Eles são os blocos de construção de um sistema que servirá para alertar os cientistas dos EUA sobre a presença de geoengenharia.
À medida que o planeta continua a esquentar, a ideia de tentar bloquear intencionalmente a radiação solar —às vezes chamada de alteração da radiação solar, geoengenharia solar ou intervenção climática— está ganhando mais atenção. Governos, universidades, investidores e até ambientalistas aplicam milhões de dólares em pesquisa e modelagem de sistemas de geoengenharia.
Pode ser uma maneira relativamente rápida de resfriar o planeta. Mas também pode desencadear perigos incalculáveis.
Muitos temem que a geoengenharia solar possa ter consequências não intencionais, destruindo padrões climáticos regionais e danificando tudo, desde a agricultura até as economias locais. E há o receio de que os primeiros passos nesse sentido podem estar sendo dados em silêncio por um ator desonesto ou por uma nação que opere sem nenhuma regulamentação ou nenhum controle.
Por isso, os Estados Unidos estão construindo um sistema que permitirá a detecção de atividades de quem está tentando adulterar o termostato da Terra. “É um dos projetos em ciências estratosféricas mais importantes em andamento no mundo hoje”, disse David W. Fahey, recentemente, em seu escritório em Boulder.
Fahey é diretor do Laboratório de Ciências Químicas da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (Noaa, na sigla em inglês), que está construindo a rede de balões sentinelas.
Tanto a Noaa quanto a Nasa (Agência Espacial Americana) têm satélites que podem detectar grandes quantidades de aerossóis na atmosfera, mas não conseguem captar quantidades menores. É aí que entram os balões.
Cada um carrega uma engenhoca de aproximadamente três quilos, do tamanho de uma lancheira, cheia de fios e tubos. O dispositivo mede pequenas partículas transportadas pelo ar, os aerossóis. Um aumento repentino pode indicar a presença de uma quantidade incomum de aerossóis na estratosfera, lançados, possivelmente, para desviar parte do calor do sol de volta para o espaço.
A equipe de Fahey está construindo um sistema que será capaz de detectar, rastrear e entender os efeitos de qualquer liberação incomum de aerossol.
O sistema de alerta precoce para detectar geoengenharia é um esforço dividido entre agências federais e laboratórios. A Noaa tem o dispositivo para medir a concentração de aerossóis e levantar a bandeira vermelha se surgir alguma anomalia. A Nasa tem a aeronave de alta altitude que pode transportar equipamentos de teste sofisticados para o local onde se encontra uma nuvem de aerossol. Cientistas do Laboratório Nacional Sandia, no Novo México, que trabalham para o Departamento de Energia, possuem uma ferramenta capaz de estimar quando e onde uma explosão de aerossol foi emitida.
Os pesquisadores enfatizam que esses esforços de detecção ainda são incipientes. Eles acreditam que, até agora, a geoengenharia solar só foi tentada em uma escala muito pequena, apesar das alegações ao contrário feitas por teóricos da conspiração.
Mas o trabalho que está sendo feito na Noaa e no Sandia demonstra como a geoengenharia passou de ficção científica para uma fonte de preocupação crescente para o governo norte-americano.
“Se outro país –um grande aliado ou um grande oponente– estiver construindo instrumentos com novas capacidades, nossos cientistas poderão nos dizer o que eles estão tentando fazer, qual será o impacto disso e qual seu grau de perigo? Precisaremos responder rápida e duramente?”, questionou Kelly Wanser, fundadora e diretora executiva da SilverLining, grupo sem fins lucrativos que defende a vigilância sobre a geoengenharia e que ajudou a convencer o Congresso a financiar o programa da Noaa.
O laboratório de ciências químicas que a Noaa opera em Boulder parece um campus universitário. Alguns dos principais cientistas atmosféricos do mundo percorrem os corredores com botas de caminhada e camiseta, como se estivessem prontos para escalar as Montanhas Rochosas, visíveis através das janelas. A única pista sobre a natureza do trabalho deles são os guardas armados nos portões, inspecionando os veículos visitantes em busca de explosivos.
Em uma sala sem janelas, Alexandre Baron, jovem cientista francês que analisa as propriedades microfísicas dos aerossóis, exibiu as entranhas das caixas que sua equipe estava enviando para o alto. O dispositivo puxa o ar para um tubo de admissão e o escaneia com um laser. Os aerossóis espalham a luz, tornando possível registrar sua concentração e seu tamanho.
Assim que os balões que carregam os dispositivos chegam a 27 mil metros de altitude, quase três vezes a altitude de cruzeiro de um jato de passageiros, uma válvula se abre para liberar lentamente o gás hélio e fazer com que os balões voltem à Terra. A viagem de subida e descida leva três horas e meia, durante as quais os instrumentos enviam leituras de aerossol de volta ao solo por rádio.
A Noaa recupera a maioria das caixas –que custam cerca de US$ 15 mil cada uma– e substituem componentes para que possam ser usadas novamente. A agência perdeu alguns balões sobre o oceano e na natureza selvagem do Alasca.
Às vezes, um balão e sua preciosa carga ficam presos em uma árvore. Por isso, encostado na parede do quarto de Baron, entre os equipamentos de laboratório, há um grande podador. “Eu o usei numa ocasião em que a carga útil estava pendurada nos galhos”, disse Troy Thornberry, cientista pesquisador da Noaa e responsável pelo programa.
A tarefa imediata dos cientistas em Boulder é reunir dados suficientes sobre os níveis de aerossol em diferentes pontos acima da Terra. Eles pretendem fixar uma linha de base para medir as concentrações normais, na ausência de algum evento externo, como uma erupção vulcânica. Isso permitiria à Noaa determinar quando os níveis de aerossol em qualquer ponto específico estão altos e fora do normal.
O programa, que o Congresso começou a financiar em 2020, se encaixa na missão mais ampla da Noaa de estudar a atmosfera e seu orçamento total é inferior a US$ 1 milhão por ano, informou Thornberry.
Para construir a linha de base global, a Noaa trabalha com pesquisadores e cientistas governamentais em outros países e coordena lançamentos com pesquisadores na Ilha da Reunião, território francês perto das Ilhas Maurício.
Este mês, a equipe da Noaa lançou um balão pela primeira vez do Suriname, país que faz fronteira com o Norte do Brasil, e tem planos para lançamentos futuros administrados pela agência meteorológica daquele país. A Noaa planeja visitar Palau, pequena nação insular entre as Filipinas e Guam, no início do ano que vem, para conseguir um acordo semelhante.
Segundo Thornberry, os Estados Unidos querem estabelecer lançamentos regulares de balões a partir de sete locais ao redor do mundo e mantê-los por três a cinco anos. Assim, a agência deverá ter informações suficientes para identificar com segurança aumentos incomuns de aerossóis. Ele acrescentou que não tem conhecimento de outro país que esteja fazendo um esforço de vigilância semelhante. “Talvez porque os outros países simplesmente não falem sobre isso”.
Supondo que o sistema de balões detectasse um nível suspeito de aerossóis, Thornberry recorreria a outro instrumento no laboratório da Noaa. É o dispositivo mais sensível do mundo para detectar dióxido de enxofre, material frequentemente usado para refletir radiação para longe da Terra. O instrumento, conjunto de válvulas e tubos que lembra um motor de carro de corrida, pode medir concentrações tão pequenas quanto uma parte por trilhão.
A Noaa carregaria o dispositivo na traseira de um caminhão, o levaria até Houston e o prenderia na parte inferior de um avião. Mas não qualquer avião. Há apenas um punhado de aeronaves que podem atingir a estratosfera. Uma delas é o modelo WB-57, três dos quais estão alojados no Centro Espacial Lyndon B. Johnson, da Nasa. Esse avião, identificado por um nariz bulboso e uma envergadura extralonga, pode voar acima de 18 mil metros.
Thornberry estimou que sua equipe pode colocar o dispositivo no ar três semanas depois de detectar uma nuvem de aerossol e antes que ela possa se dissipar. Segundo ele, seria necessário apenas financiar o tempo de voo –algo em torno de US$ 1 milhão a US$ 1,5 milhão.
Um porta-voz da Nasa se recusou a disponibilizar qualquer funcionário da agência para uma entrevista.
Cerca de 600 quilômetros ao sul de Boulder, pesquisadores de um dos principais laboratórios de armas nucleares do país descobriram outra parte do quebra-cabeça: como identificar a localização de uma liberação de aerossol.
O Laboratório Nacional Sandia, na extremidade leste de Albuquerque, no Novo México, surgiu como parte do Projeto Manhattan, o esforço sigiloso dos Estados Unidos para construir uma bomba nuclear nos anos 1940. Hoje em dia, operado por uma subsidiária da Honeywell International sob contrato com o Departamento de Energia, o laboratório possui modelos sofisticados baseados em análises feitas por computadores que podem determinar se outros países estão testando armas nucleares.
“Os tratados atuais de proibição de testes nucleares só funcionam porque somos capazes de saber se a Rússia conduziu algum teste. E foram os cientistas do Sandia que desenvolveram os sistemas para descobrir isso”, disse Erin Sikorsky, que anteriormente liderou a análise de segurança climática da comunidade de inteligência dos EUA e agora dirige o Centro de Clima e Segurança, grupo de pesquisa com base em Washington.
Essa capacidade de construir modelos de detecção sofisticados é útil na era da geoengenharia solar.
Laura Swiler, cientista sênior do Sandia, desenvolveu um algoritmo que pode pegar uma nuvem de aerossol observada de qualquer fonte –digamos, uma erupção vulcânica ou um grande incêndio florestal– e olhar para trás no tempo para estimar seu tamanho e ponto de origem.
Os Estados Unidos ainda estão a anos de distância de detectar uma atividade de geoengenharia solar, mas estão na vanguarda desse empreendimento. “Sabemos mais sobre aspectos importantes do aerossol estratosférico como ele existe hoje do que qualquer outro grupo no mundo. Estamos jogando um jogo que vai durar um longo tempo”, afirmou Fahey.