Eu me permito uns 30 minutos de surto por dia. É o que relato para a psicóloga e para a amiga que pergunta como vai a minha saúde mental. O tratamento para anorexia, transtorno de ansiedade generalizada e mais uma série de pequenos e não-tão-pequenos problemas associados vai bem. Estou fazendo pelo menos três refeições completas por dia (café da manhã, almoço e jantar) e, devagarinho, tentando incluir um lanche da tarde ou similar. Não me peso há meses e só sei da flutuação dos contornos da minha silhueta de acordo com o caimento das roupas.
Mas durante uma meia hora, todos os dias, eu penso em retomar os comportamentos disfuncionais que vieram com o transtorno alimentar. O pensamento passa pela minha cabeça enquanto caminho de volta apra casa depois da aula de pilates, quando estendo o tapetinho de ioga, quando preparo um prato de comida, quando vejo meu reflexo no espelho e as linhas que me delimitam se distorcem.
Com a terapia eu tenho as ferramentas necessárias para entender que o pensamento é apenas isso, um pensamento. Uma mera sugestão. Um pop-up numa aba do navegador da minha mente; insistente e inconveniente, mas que eu posso fechar se encontrar o X correto.
Às vezes eu me permito entreter a ideia por um tempo. Brincar de faz de conta, de “e se”. Sempre chego à mesma conclusão: ter anorexia não me trouxe nada de bom. Nenhuma percepção aguçada ou insight, nada que renda um textão no LinkedIn ou uma grande história de sucesso. O transtorno veio na verdade acompanhado de um quadro de anemia, distúrbios do sono, do intestino, pressão baixa, dores de cabeça, desmaios, entre outros problemas com os quais lido até hoje.
Penso na quantidade de tempo que eu perdi (e perco) pensando no meu peso, nas refeições e no tempo de qualidade que deixei de aproveitar com as pessoas que amo porque estava com a cabeça em outro lugar, a calculadora mental disparada, tentando evitar que as pessoas vissem e comentassem sobre a quantidade de comida no meu prato ou percebessem que eu estava em outro lugar na minha mente.
Gostaria de ser mais presente, mais atenta ao que realmente importa. Acho que é um estereótipo dizer que pessoas com transtornos alimentares só pensam em si mesmas, mas penso que pouco se diz sobre a culpa que se sente ao gastar tanta energia nesse assunto.
A culpa é outro tema recorrente no meu processo terapêutico. Culpa pelo que sinto, culpa por não sentir o que eu acho que deveria sentir. Culpa por existir de um jeito que me machuca tanto. Culpa por me importar tanto e culpa por achar que me importo de menos. Culpa por sentir culpa demais!!!
Todos esses pensamentos passam como tiros de uma metralhadora na minha mente nesses 30 minutos. Depois, respiro fundo. Uma, duas, três vezes. Enumero coisas que consigo ver, ouvir, sentir o cheiro e o toque.
Eu tive um professor no ensino médio que dizia que “felicidade é fazer o que precisa ser feito”. A frase parece boba, mas me acompanha desde então. Eu faço uma lista mental para saber se minhas necessidades básicas —alimentação, hidratação e descanso— estão sendo atendidas e fecho, um por um, os pop-ups disfuncionais da minha cabeça. Eu sei exatamente qual resultado esperar se eu seguir as sugestões sem questionar e, por isso, decido ignorá-las. É perda de tempo fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes. Então, pego a rota não percorrida: fazer o que precisa ser feito, um dia de cada vez, até que fique mais fácil.
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