Com explosões de bombas e tiros de balas de borracha, uma mulher clamou em meio ao caos: “Só queremos água para beber”. A repressão violenta foi conduzida pelo batalhão de choque da Polícia Militar de Dourados, MS. O protesto ocorreu na rodovia MS-156 entre os dias 25 e 27 de novembro, cobrando das autoridades uma solução para o abastecimento de água na Reserva Indígena de Dourados (RID), composta pelas etnias guarani-kaiowá e terena. Os três poços existentes são insuficientes para atender a população de 18 mil moradores nessa área.
De acordo com o reverendo Jonas Furtado Nascimento, o batalhão de choque, com o objetivo de surpreender os manifestantes que obstruíam a rodovia, fez um percurso que passava dentro da aldeia Jaquapiru, na RID. Na entrada da aldeia, localizada a cerca de seis quilômetros do local do protesto, a polícia encontrou uma barreira de kaiowás e, sem tentar negociar, disparou balas de borracha e lançou bombas de gás lacrimogêneo contra o grupo.
A ação policial ocorreu entre 8h e 9h da manhã do dia 27, horário em que a maioria dos adultos estava fora da reserva trabalhando. Assim, o grupo era composto majoritariamente por idosos e crianças. O pastor Jonas estava no local para conversar e visitar os indígenas, muitos deles pertencentes a congregações da igreja local. Ele e mais 20 pessoas ficaram feridos pelos disparos realizados pelo batalhão de choque. Além de ferido, o pastor e o outro não-indígena foram levados à delegacia e autuados por desobediência civil.
Em depoimento à delegada, o reverendo Jonas afirmou que ele e a esposa já estavam de saída do local quando foram surpreendidos pela abordagem policial truculenta, sem chance de reação. As notícias sobre a brutalidade policial na invasão da aldeia e a prisão do reverendo circularam por grupos de WhatsApp, gerando revolta entre os moradores da aldeia e atraindo mais pessoas para o protesto na rodovia. Pastores e lideranças da Igreja Presbiteriana Independente de Dourados se dirigiram à delegacia para prestar apoio ao reverendo Jonas, que foi liberado apenas às 22h30.
O batalhão de choque não conseguiu liberar a rodovia devido ao aumento do número de manifestantes ao longo do dia, alimentado pela revolta diante da violência na aldeia. A a desobstrução da estrada ocorreu apenas após negociação com as autoridades e a assinatura de um documento pelos representantes dos governos municipal, estadual e federal, comprometendo-se a abastecer a aldeia com caminhões-pipa e a perfurar quatro poços artesianos a partir de janeiro de 2025.
O reverendo Jonas, de 64 anos, com quase quatro décadas de serviço pastoral na Igreja Presbiteriana Independente, afirmou nunca ter vivido uma experiência tão agressiva. Por um lado, está satisfeito que o protesto resultou em uma resposta do poder público para um problema tão grave; por outro, segue chocado com a truculência policial contra uma população composta por idosos, mulheres e crianças.
“Tive sede e me destes de beber”, disse Jesus. Segundo o Evangelho, saciar a sede de quem precisa de água é um dever de quem segue seus ensinamentos. No entanto, as vozes de indígenas e líderes religiosos, como o reverendo Jonas, frequentemente são ignoradas pelos poderes políticos no Brasil. Além do cumprimento dos compromissos assumidos com os indígenas, espera-se que os atos de violência sejam apurados e os responsáveis, devidamente punidos.
E espera-se também que a imprensa veja casos como este, de lideranças evangélicas que não estão atentando contra a democracia, mas defendendo que ela reconheça a cidadania de todos.