Na ocasião, espera-se que seja discutido o acordo de livre-comércio com a União Europeia (UE), alvo de impasse, principalmente por parte de alguns países europeus, que enfrentam protestos massivos de agricultores contra a medida.
Na segunda-feira (2), o vice-presidente do Brasil e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin, afirmou estar “otimista” com a finalização das negociações. O secretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty, Maurício Lyrio, também deu declarações dizendo que o acordo estava caminhando “de forma muito positiva”.
Já nesta terça-feira (3), a diretora-geral de Comércio da Comissão Europeia, Sabine Weyand, anunciou que os contatos entre a UE e o Mercosul para tentar concluir o acordo de associação progrediram para o “nível político” e agora envolvem o comissário de Comércio e os representantes sul-americanos.
“O trabalho progrediu, as discussões estão em andamento também em nível político. O Comissário de Comércio, Maros Sefcovic está totalmente envolvido no avanço das negociações e na garantia de um bom resultado para a Europa. Ele terá mais contatos com seus colegas nas próximas horas”, disse Weyand no Parlamento Europeu.
A proposta é negociada há mais de 20 anos entre os blocos, mas ainda carece de concordância em pontos-chave.
Em 2019, o texto do acordo de associação UE-Mercosul chegou a ser finalizado, no entanto o lado europeu pediu para adicionar um anexo no qual exigia mais garantias dos países latino-americanos de que cumpririam o Acordo de Paris e a legislação trabalhista internacional.
Em particular, os europeus, com a França na liderança, expressaram “preocupação” com o desmatamento da Amazônia e, consequentemente, com o fato de que essas terras que costumavam ser selva estão sendo usadas para exploração agrícola.
Essas divergências apontadas entre os países sobre questões ambientais, econômicas e políticas travaram a aprovação do documento naquela época.
O acordo UE-Mercosul tem como objetivo criar uma das maiores zonas de livre-comércio do mundo, abrangendo mais de 700 milhões de pessoas e quase 25% do PIB mundial. Isso seria possível por meio da redução de barreiras comerciais entre os blocos, tornando mais fácil para as empresas de ambos os lados exportarem mercadorias.
Os países do Mercosul se beneficiariam da medida por conta do maior acesso aos mercados da UE para as exportações agrícolas, como a carne bovina, as aves e o açúcar. Em 2023, a maior parte das exportações para a UE foram alimentos e animais vivos (32,4% do total das exportações) e produtos minerais (29,6%), úteis para a produção de equipamentos tecnológicos como baterias.
Já para os países europeus integrantes do bloco – ao todo 27 nações – um dos pontos positivos seria o fato do acordo permitir a redução de tarifas para exportação sobre produtos como automóveis, máquinas e produtos químicos.
De acordo com a EuroNews, o país que seria mais beneficiado nesse sentido é a Alemanha, que atualmente enfrenta dificuldades na indústria automobilística, incluindo crises na Volkswagen, BMW e Mercedes-Benz, bem como na indústria química alemã, com empresas como a Bayer.
Pressão dos agricultores europeus
Um dos países que mais se mobilizou para criticar o acordo foi a França. Inclusive, no último dia 26, a Assembleia Nacional rejeitou, de forma simbólica, a proposta.
No dia 17 do mês passado, o presidente Emmanuel Macron também havia declarado em visita à Argentina que não assinaria o documento nos moldes como estava apresentado. O mandatário francês pediu na ocasião uma renegociação do pacto, visando encontrar um “quadro aceitável” para todos.
A rejeição dos agricultores europeus – que protestam há mais de um ano contra a proposta, inclusive bloqueando vias importantes para o comércio na França, Espanha e Bélgica – ocorre devido a preocupações com os efeitos que tal medida traria para seus negócios.
De acordo com eles, a chegada de produtos sul-americanos no continente, com tarifas reduzidas, geraria uma saturação do mercado, criando uma maior competitividade nos preços, o que prejudicaria a agricultura local.
Alguns agricultores, inclusive, afirmaram que essas reduções tarifárias ou a isenção de quotas tarifárias poderiam ser “fatais” para o comércio europeu. Eles argumentam que não podem competir com os produtores sul-americanos, que contam com custos laborais mais baixos, explorações agrícolas maiores e regulamentações menos rigorosas sobre produtos que podem ser utilizados na produção em comparação com as normas da UE.
No mês passado, uma auditoria da Comissão Europeia concluiu que o Brasil, o maior exportador mundial de carne bovina, não pode garantir que suas exportações para o continente europeu estejam livres, por exemplo, de hormônios de crescimento como o “estradiol 17-β”, que foi proibido na Europa há décadas.
Países que apoiam ou rejeitam o acordo
Além da França, que possui o maior setor agrícola da Europa e já deixou clara sua posição de não aceitar a proposta atual, a Itália também está emergindo na oposição.
O ministro da Agricultura, Francesco Lollobrigida, deu declarações no último dia 18 rejeitando o acordo nos moldes atuais. “O tratado UE-Mercosul, na sua forma atual, não é aceitável”, disse, citado pelo jornal belga Brussels Times.
”É preciso verificar antes se os países do Mercosul respeitam as mesmas obrigações que nós impomos aos nossos agricultores em termos de direitos trabalhistas e meio ambiente”, justificou o ministro.
A Irlanda, país que ocupa o quinto lugar como maior exportador de carne bovina do mundo, também expressou preocupação com o acordo, visto que aumentaria a concorrência de preços nos principais mercados europeus, como a França. Os agricultores belgas também protestaram contra o acordo comercial.
Nesta terça-feira (3), o Parlamento da Holanda também votou contra o acordo comercial e pediu ao governo para trabalhar com os parceiros europeus nesse sentido.
Por outro lado, a Alemanha acredita que uma associação com o Mercosul poderia impulsionar seu mercado automobilístico.
Durante a Cúpula do G20, no Brasil, o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, fez críticas ao modo como os acordos são feitos pela UE. “Os acordos comerciais foram delegados à União Europeia pelos Estados europeus. Mas não com a intenção de que isso resulte em menos acordos, mas sim, em mais”, argumentou.
Ursula von der Leyen , presidente da Comissão Europeia, também é uma voz de apoio, classificando a proposta como “um acordo de grande importância econômica e estratégica”.
Na América do Sul, o apoio a um acordo de livre-comércio é unânime. O presidente Lula da Silva vê a iniciativa como uma oportunidade de impulsionar o comércio regional, enquanto países como o Uruguai e Paraguai também apoiam o acordo, na esperança de diversificar seus parceiros comerciais e reduzir a dependência da China.
O presidente da Argentina, Javier Milei, que assumirá a liderança do bloco regional no próximo ano, também apoiou a proposta.
Decisão sobre acordo depende da Comissão Europeia e do Mercosul
As negociações comerciais que podem levar à conclusão do acordo são de responsabilidade da Comissão Europeia, que possui autoridade para responder em nome dos 27 Estados-Membros. Portanto, a capacidade da França de vetar uma proposta é limitada.
Apesar da Cúpula do Mercosul, marcada para acontecer nos dias 5 a 6 de dezembro, ser um momento chave para o acordo, a possível assinatura entre os países integrantes do bloco ainda deve ser ratificada pelas 27 nações da UE, pelo Parlamento Europeu e pelos parlamentos nacionais de todos os Estados-membros antes de entrar em vigor. Essa necessidade daria à França a oportunidade de vetá-lo.
De acordo com a agência Associated Press (AP), a Comissão Europeia avalia a divisão do acordo em duas partes, a fim de facilitar sua aprovação: um acordo de cooperação mais amplo e um acordo centrado no comércio. Este último exigiria apenas uma votação majoritária ao abrigo das regras da UE, evitando a necessidade de aprovação unânime.
Seguindo essa proposta, a França perderia seu poder de veto, a menos que conseguisse reunir apoio suficiente para formar uma minoria de bloqueio.
Acordo beneficiaria o Brasil
Um dos maiores entusiastas do acordo, Lula declarou na última semana que pretende assiná-lo ainda neste ano, a despeito da França que “não apita nada”. “Eu quero que o agronegócio continue crescendo e causando raiva num deputado francês que hoje achincalhou os produtos brasileiros, porque nós vamos fazer o acordo do Mercosul nem tanto pela questão do dinheiro. Nós vamos fazer porque eu estou há 22 anos nisso e nós vamos fazer”, disse Lula, em referência ao deputado francês Vincent Trébuchet, do partido UDR, fez duras críticas à carne exportada pelo Brasil, no último dia 26.
Um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de fevereiro deste ano, mostrou que o Brasil seria um dos países mais beneficiados com um possível acordo entre os blocos.
Isso porque haveria um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país, que chegaria a 0,46% entre 2024 e 2040, o equivalente a US$ 9,3 bilhões. Além disso, as estimativas apontam para um crescimento de 1,49% nos investimentos no país com a aprovação da proposta.
Ainda segundo o estudo, em termos relativos, o país obteria ganhos maiores que os da UE (aumento de 0,06% no PIB) e que os demais países do Mercosul (alta de 0,20%).
Na balança comercial, o Brasil teria um ganho de US$ 302,6 milhões, ante US$ 169,2 milhões nos demais países do Mercosul.
De acordo com o Ipea, as exportações cresceriam continuamente nos anos seguintes à finalização do acordo, podendo chegar a um ganho acumulado de US$ 11,6 bilhões.