As terras indígenas (TIs) localizadas na amazônia brasileira influenciam nas chuvas que abastecem 80% das áreas com atividades agropecuárias no país. É o que aponta um estudo inédito divulgado nesta terça-feira (3).
Conforme o levantamento, feito pelo Instituto Serrapilheira, essas chuvas contribuíram para 57% da renda do setor agrícola em 2021, o que representou R$ 338 bilhões. A pesquisa é resultado do cruzamento e análise de dados da plataforma MapBiomas, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
Caio Mattos, pesquisador de pós-doutorado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e um dos autores do estudo, afirma que esses dados mostram a importância da conservação de terras indígenas, diante de ameaças como a tese do marco temporal. Ela estabelece que os indígenas somente têm direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial à época
“O nosso objetivo é trazer o ponto de vista científico, os dados quantificados, embasados, e dar essa resposta para a sociedade de maneira simples, para que isso possa ser utilizado em conversas, debates, e assim influenciar políticas públicas de conservação no governo, no Congresso e no Judiciário”, diz à Folha.
“Esse estudo foi elaborado junto com o Instituto Serrapilheira, em um grupo bastante interdisciplinar, com arqueólogos, antropólogos indígenas, matemáticos, físicos e ecólogos”, destaca.
O trabalho aponta também que 18 estados e o Distrito Federal estão parcial ou totalmente sob a influência das chuvas dos chamado rios voadores oriundos de TIs da amazônia. Até 30% da chuva média que cai sobre as áreas agropecuárias, diz o estudo, está diretamente relacionada à “reciclagem” eficiente de água que esses territórios proporcionam.
Os rios voadores são colunas longas e largas de vapor d’água que geralmente emergem dos trópicos e se movem em direção aos polos. Eles carregam cerca de 90% do vapor d’água total que se move pelas latitudes médias da Terra.
A umidade originada nas terras indígenas, assim como em outras áreas de mata, é transportada pela atmosfera e se torna chuva em outras regiões do Brasil, como no Centro-Oeste e no Sul. Esse mecanismo natural depende da manutenção de áreas de florestas nativas.
Segundo Mattos, a conservação da floresta amazônica é, portanto, fundamental para a manutenção da agricultura e da pecuária no Brasil.
O pesquisador afirma que outros estudos sobre a influência das chuvas serão lançados em breve e devem mostrar recortes relacionados à preservação de unidades de conservação e de territórios quilombolas.
“É um trabalho que nós esperamos que fomente o debate baseado em fatos sobre as relações entre os diversos setores produtivos brasileiros. A importância da amazônia conservada, da floresta em pé, para o restante do Brasil”, frisa Mattos.
Os mais de 450 territórios indígenas ocupam, aproximadamente, 23% da Amazônia Legal, e abrigam cerca de 403,6 mil pessoas. Para ambientalistas, essas terras funcionam como uma barreira ao desmatamento e outros tipos de degradação. De 2019 a 2023, segundo o estudo, apenas 3% (130,2 mil hectares) do desmate ocorreu em TIs.
Mattos destaca, que antes de sua publicação, o estudo passou pela avaliação de cientistas renomados, entre eles o climatólogo Carlos Nobre, o físico Paulo Artaxo, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, o economista Ronaldo Seroa da Motta e a bióloga Mercedes Bustamante.
“O estudo foi conduzido por profissionais multidisciplinares e depois passou pela mão e recebeu o endosso de grandes nomes da ciência brasileira, tanto de mudanças do clima quanto de antropologia e economia”, diz.