A crise de segurança no estado de São Paulo, com recorrentes casos de violência praticada por policiais militares, é consequência direta da escolha do capitão reformado Guilherme Derrite para o comando da Secretaria da Segurança, avaliam integrantes da corporação ouvidos pela Folha.
A reportagem conversou com oito policiais militares, da ativa ou inatividade, entre praças e oficiais, e seis deles apontaram a nomeação do secretário e as declarações feitas por ele como uma espécie de salvo-conduto para, principalmente, uso de armas nas ocorrências que PMs se sentirem ameaçados.
Conforme esses policiais, que pediram anonimato, atualmente impera na tropa uma sensação de que “não vai dar nada” as eventuais investigações sobre episódios de violência enquanto o número 1 segurança for o capitão reformado, que foi desligado da Rota (tropa de elite da PM) por excesso de mortes.
“A real? Porque eu matei muito ladrão”, disse Derrite em entrevista a um Podcast, sobre os motivos que levaram o então tenente a ser transferido de unidade.
Os policiais apontaram uma frase dita por Derrite, durante ação letal da Rota, no início do ano passado, como um marco nesse movimento de novos tempo da PM, quando o secretário indicou que nenhum policial envolvido em MDIP (morte decorrente de intervenção policial) seria afastado das funções.
“Nenhum policial que sai de casa para defender a sociedade será injustiçado. Confrontos sempre serão apurados, mas ninguém será afastado no caso da abordagem da Rota que evitou um assalto no semáforo. Até que se prove o contrário, a ação ocorreu dentro da lei”, escreveu o secretário.
Embora oficialmente os afastamentos não tenham acabado, na prática os PMs envolvidos em ocorrência com morte geralmente ficam apenas um dia longe das ruas, durante avaliação feita por superiores, e voltam ao trabalho quase que automaticamente, ainda conforme policias entrevistados.
Antes da gestão Tarcísio de Freitas, além dos afastamento das ruas, que duravam em média três meses, a PM costumava transferir de batalhão os policiais envolvidos em ocorrências com suspeitas de irregularidade. Atualmente, ainda conforme a Folha apurou, isso não tem mais acontecido (exceção foram os policiais da escolta do delator do PCC morto no aeroporto de Guarulhos).
Além das próprias declarações de Derrite, os policiais afirmam ter havido uma redução no rigor de apurações e até a falta de acompanhamento da Corregedoria nos locais de confrontos seguidos de morte, algo que existia antes e aumentava as chances de encontrar eventuais irregularidades.
Um coronel da ativa ouvido pela reportagem afirmou que, pelo que percebe, parte da tropa não tem noção da crise em que a corporação está até porque não se informa pelos veículos de comunicação tradicionais, apenas canais ligados à extrema direita.
Nessa “bolha”, todas as ações violentas da PM são aceitas com passividade ou, em alguns casos, até elogiadas, como ocorreu muito durante as Operações Escudo e Verão, quando ações da tropa deixaram uma série de mortos em supostos confrontos.
Os PMs ouvidos também são unânimes em prever um futuro ainda pior para a corporação, com uma perda de controle total do comando sobre a tropa que, até o início da gestão Tarcísio, era considerada exemplar. Crises de insubordinação tendem a aumentar casos de violência e corrupção, segundo eles.
Apenas dois coronéis ouvidos pela reportagem afirmaram não ver uma ligação entre o atual momento da PM com as declarações feitas por Derrite, ou até mesmo pelo governador. Para eles, são casos isolados que, de tempo em tempo, aparecem.
Ainda conforme esses oficiais, problemas em atendimentos de ocorrência, os chamados desvios de conduta, sempre existiram na corporação. Agora, porém, há mais câmeras disponíveis nas ruas e com a população. Assim, existe maior número de divulgação, mas não um crescimento real de casos.
Procurada, a Secretaria da Segurança não se manifestou até a publicação dessa reportagem. Em entrevista à Folha, o comandante-geral da PM, o coronel Cássio Araújo de Freitas, afirma que não houve alteração nas diretrizes da PM e quem a instituição prima pelo trabalho técnico, dentro da lei.
“O colega vai lá e comete um erro, como esse, e arremessa um camarada ali da ponte. Foi uma ação individual dele, está equivocada, está errada. Não tem abrigo da nossa técnica, não vai ter o abrigo da nossa análise administrativa”, afirmou o oficial.