Nos meus 20 anos, participei de um workshop de dois dias com o psiquiatra Roberto Freire, uma das experiências mais libertárias da minha vida. Com ele, aprendi que o tesão, não apenas o sexual, o tesão como filosofia de vida era a solução para a maior parte das minhas angústias existenciais. Como disse Rita Lee, aos 73 anos, é preciso ter “tesão na alma”.
Desde então, todos os anos, alguns dias antes do meu aniversário no dia 11 de dezembro, faço uma faxina existencial que me ajuda a descobrir o que é realmente significativo na minha vida.
Quando me tornei professora titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), no dia 8 de maio de 2015, fiz uma promessa: durante um ano, não iria comprar nada para mim, nem mesmo uma blusinha ou meia. Não é mais uma promessa, mas, até hoje, não compro roupas, sapatos e bolsas. Nos meus aniversários, quando estou precisando de um tênis ou jeans, meu marido me dá de presente. Mas prefiro que ele me dê livros.
Antes da promessa, eu tinha uma mania: quando gostava muito de um casaco ou tênis, comprava dois ou três iguais. Resultado: tinha um armário repleto de roupas idênticas, quase todas pretas. Meus alunos sempre me perguntavam se eu estava de luto.
Na semana passada, durante a faxina, lembrei-me de um caso curioso ao encontrar um jeans da época em que pesava 42 quilos. Nos 100 dias que cuidei do meu pai, que teve câncer no pâncreas, perdi dez quilos. No seu enterro, uma tia disse que eu estava tão esquelética que parecia que havia saído de um campo de concentração. Quando voltei a dar aulas, uma colega da UFRJ me perguntou: “O que eu faço para ficar com esse corpinho? Estou morrendo de inveja!”.
Antes da promessa, minhas roupas ocupavam três armários do quarto. Hoje, estão concentradas em um só. Mesmo assim, não uso a maioria delas, pois costumo vestir as mesmas roupas para trabalhar (jeans, blusa azul, sapato preto sem salto) e para caminhar (shorts, camiseta e tênis).
Sou supersticiosa: se uso uma roupa uma única vez, e acontece alguma coisa que me deixa triste, nunca mais vou usá-la. E imediatamente dou para alguém que aproveitará bastante a roupa novinha. Já dei para uma aluna um brinco de brilhantes que ganhei de um ex-namorado.
Não consegui ainda doar tudo o que não uso e, se fizesse isso, minhas roupas caberiam em duas gavetas. Será que chego lá?
Ontem, saí de casa para caminhar na praia e me esqueci de levar os óculos. Tenho mais de cinco graus de miopia, mas, mesmo assim, não voltei para buscar meus óculos. No entanto, não me esqueci de levar uma caneta e um bloquinho para anotar minhas ideias para a minha coluna na Folha. Se tivesse esquecido, com certeza voltaria para buscar.
Sinto muita falta dos 5 mil livros que doei na minha faxina de 2017, com todas as minhas anotações e dedicatórias. Não me arrependo, pois não teria como guardá-los no meu apartamento. Mas confesso que continuo comprando muitos livros, cadernos universitários de 360 páginas, canetas gel de diferentes cores, bloquinhos, post-its. Agora, em vez de roupas, meus armários estão abarrotados de cadernos com o que eu escrevo compulsivamente todos os dias.
Na minha primeira análise, quando eu tinha 21 anos, a terapeuta aconselhou: “Mirian, pare de escrever obsessivamente e vá viver a sua vida”. Mas, como parar, se o que mais me dá “tesão na alma” é escrever?
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